sexta-feira, 27 de março de 2015

Syriza em Portugal?

Há quem veja na vitória do Syriza e nos resultados do Podemos o prenúncio de uma grande mudança política na Europa. Duvido, e em primeiro lugar porque tal mudança seria sempre muito limitada e com pouco impacto na “fortaleza europeia” se não incluísse a França e a Itália. Por outro lado, estes recentes fenómenos grego e espanhol são em boa parte conjunturais e contingentes.
Lembremo-nos de que o Syriza, não obstante estar a governar, ficou muito longe (36%) de uma maioria eleitoral, beneficiando de um bónus para o partido mais votado. Na Espanha, a posição fulgurante do Podemos também não basta. Com cerca de 22-23% nas sondagens recentes, nem uma coligação com a Esquerda Unida (5,5-6%) permite uma maioria absoluta. Restaria a coligação com o PSOE, desdizendo todas as afirmações em contrário do Podemos, ou uma aliança espúria com o Cidadãos, outro “partido espectáculo” mas de centro-direita.
Apesar de Syriza e Podemos serem casos únicos, não falta em Portugal quem se reveja neles e neles procure a sua razão de ser. Por um lado, o BE, apesar de já ter uma identidade firmada, tem procurado capitalizar a sua pertença, com os partidos grego e espanhóis no grupo parlamentar europeu da Esquerda Unitária e Verdes Nórdicos, GUE/NGL (também o PCP, mas muito mais próximo do KKE grego). 
Não é abusivo que o BE o faça em relação ao Syriza, com o qual tem bastante afinidade programática, mas parece-me que o parentesco com o Podemos é mais distante e um aproveitamento mediático. O Podemos não tem um programa ainda consolidado, desvia a dicotomia esquerda-direita para baixo/cima, assenta muito em círculos populares remanescentes do movimento 15-M mas, em contrapartida, com uma direcção central com controlo total sobre o partido, o que, diga-se em seu louvor, não parece ser o caso do BE.
De qualquer forma, há diferenças essenciais entre a situação grega e a portuguesa que não tenho visto salientar devidamente:
A Grécia tem um problema de dívida insustentável ao nível do português, com um excedente primário, muito superior ao português, a ser todo consumido no serviço da dívida, e a sua economia já é deflacionária. Mais marcante como diferença é que a Grécia ainda está em programa de resgate, sujeita a condicionalidades, que também afectam o seu principal problema, como se está a ver, o de falta de liquidez.
Também há diferenças importantes na situação política. Ao contrário de Portugal, a esquerda grega da resistência não foi monolítica ou predominantemente centrada num partido comunista ortodoxo (marxista-leninista e alinha do com o bloco soviético). Praticamente depois da invasão da Checoslováquia mas principalmente depois do colapso da URSS, sempre se viram, em contraponto, uma ala ortodoxa e saudosista do “socialismo real”, o KKE, e o actual Syriza, um conjunto de partidos, movimentos e grupos em que preponderava a ala comunista de tendência eurocomunista.
Pode parecer que é coisa só histórica, mas penso que ainda é determinante em Portugal não ter havido uma formação de tipo eurocomunista, papel não desempenhado pelo BE. Gostava de saber em que orientação de esquerda é que a maioria dos eleitores vêem o BE. Mais do que uns jovens hoje a envelhecer, com umas causas motivadoras cedo roubadas pelo PS? Com que ideologia?
O sectarismo do KKE, em permanente ataque ao Syriza, conferiu a este, junto do eleitorado, uma imagem de moderação por contraponto para com o próprio KKE. O desequilíbrio de forças entre os dois partidos tem consequências. O Syriza dava a esperança de uma vitória e, por isso, evoluiu vertiginosamente em resultados eleitorais, enquanto que o KKE estagnou. E dava essa esperança a muitos eleitores de esquerda ainda influenciados pela atitude contra o comunismo ortodoxo. 
Em Portugal, o polo forte é o colocado mais à esquerda, o PCP. O BE é só um pequeno apêndice eleitoral do PCP. Para o mesmo tipo de eleitorado do que votou Syriza, a escolha não é num partido “moderado”, mas sim numa aliança determinada por um PCP ainda largamente visto como crispado e sectário.
No entanto, não é um óbice intransponível para o BE. Nas eleições gregas até 2012 o Syriza teve pequenas votações, abaixo do BE em Portugal. Como provavelmente se lembram, em 2012 houve duas eleições na Grécia. Na primeira, o Syriza sobe dos 5% de 2009 para 17%. Apenas um mês depois, espectacularmente, consegue 27%. Anote-se que boa parte destes acréscimos se devem ao esvaziamento do Pasok
Com efeito, outra diferença considerável tem a ver com o partido da “social-democracia” em cada país. Como já muitas vezes escrevi, o fenómeno da “pasokização” (esvaziamento eleitoral por prática de obediência à troika”) foi determinante na vitória do Syriza mas ainda não se verifica em Portugal por o PS não ter estado envolvido numa governação austeritária. Enquanto o PS agarrar o eleitorado de centro esquerda, tipicamente da pequena burguesia e dos serviços, não haverá nenhum Syriza em Portugal: um partido de esquerda radical, anticapitalista, com a noção clara do que significam a União Europeia e o euro 
O que não significa que, entretanto, quem já está no terreno ou venha a aparecer não tenha desde já de começar a preparar o período pós-pasokização do PS. E principalmente tirar lições e estudar bem as contradições em que o Syriza se deixou enredar, entre uma vitória eleitoral conseguida com um programa ambicioso e uma situação de dificuldade financeira a obrigar a recuos desmoralizadores do seu eleitorado. 
Fica para próxima entrada.

segunda-feira, 23 de março de 2015

E lá vai mais um

Assistiu-se ontem a mais uma operação tipo OPA em que um grupo de pessoas, não querendo inserir-se num partido, usa-o como instrumento de candidatura eleitoral às legislativas, reservadas aos partidos. Trata-se do grupo (quantos? com que expressão?) talvez dueto, Joana Amaral Dias (JAD) e Nuno Ramos de Almeida), que se aliou ao quase esquecido Partido Trabalhista Português (PTP) para constituir a candidatura PTP/AG!R.
O outro caso mais recente é o do Tempo de Avançar, em que o partido barriga de aluguer é o LIVRE. Aqui ficam algumas notas, em geral para comparar ambos os casos.
Em princípio, não posso discordar da criação de novos partidos, e facilitada ao máximo. É a contrapartida de um sistema que, salvo nas autárquicas, limita aos partidos a capacidade eleitoral passiva. No entanto, sou sensível à preocupação de muita gente de esquerda que receia a divisão ou mesmo pulverização, embora eu admita que, em casos concretos, o alargamento da oferta possa ter efeitos positivos, por exemplo em relação à diminuição da abstenção.
Também pode haver reflexos negativos na imagem da esquerda entre os eleitores que nela não estão fixados mas que é necessário atrair. Neste sentido, há diferenças consideráveis entre os dois casos, que agora só enumero muito sucintamente.
O LIVRE/Tempo de Avançar é uma plataforma de um partido de esquerda (concorde-se ou não com o seu programa e funcionamento) e de um número indeterminado mas não negligível de pessoas com conhecida intervenção política, individualmente ou no âmbito de organizações como o Fórum Manifesto ou a Renovação Comunista. No entanto, não dei muita atenção ao Tempo de Avançar porque dele me afasta, irrefutavelmente, a sua posição de abertura à viabilização de um governo PS que, como tudo indica, em nada mude as posições do PS em relação à Europa, à dívida e ao euro.
O AG!R era uma incógnita, tendo demorado largos tempos a dar sinais da sua posição política. Como um dos seus pais me disse que ontem ia haver uma grande surpresa, lá me pus em jeito de gato curioso. O que vi e ouvi, descontando alguma reacção minha instintiva a tiques e vedetismo, ultrapassou tudo o que imaginava. salvo melhor opinião, cai dentro daquela margem de factos políticos que afecta toda a esquerda. Ou melhor, não. Estou a ser injusto, porque não ouvi qualquer invocação de esquerda, o que, aliás, certamente seria recusado pelo partido de acolhimento.
Antes de ir mais longe, lembre-se que há dois tipos essenciais de discurso político (a que se pode juntar um terceiro, o teórico). Há o discurso protestativo, panfletário, de denúncia, emotivo, a ir de encontro ao sentimento. Há o discurso programático, propositivo, em que a denúncia dos males é acompanhada de propostas de medidas correctivas.
É dramático que quem proclama que os eleitores estão alheados da política por falta de alternativas insista num discurso quase exclusivamente potestativo. falem com o homem comum, que dirá que “todos dizem o mesmo, não mostram saída”. De certa forma, é a versão à esquerda do TINA (“there is no alternative”, Thatcher) do pensamento único. Que a austeridade mata, que os filhos emigraram, que as reformas estão a ser comidas, as pessoas sabem. O que querem saber é como sair disto.
O Tempo de Avançar tem um programa. Não concordo com muita coisa, mas parece-me uma proposta honesta para discussão pelos eleitores. Também o LIVRE tem um programa. Da mesma forma, não concordo de todo com ele. O que é aceitável é banal e o que não é banal é inaceitável, nomeadamente o seu extremado europeísmo. Em todo o caso, há um programa.
Na sessão final da Conferência deste fim de semana do AG!R, NRA e JAD intervieram exclusivamente num discurso de protesto, sem uma única proposta. “A democracia está em crise. As pessoas não se sentem representadas. Confrontamo-nos com a simples sobrevivência e, ao contrário das lições de Aristóteles, não estamos a pensar o impossível como abertura para novos possíveis (gostei!). Não temos autonomia política, não temos autonomia económica, não temos autonomia financeira. A austeridade é um crime”.
Quais são as posições positiva, programáticas, do AG!R? Não se sabe. Ontem, tomando notas apressadas, vi que eram: 1. necessidade de aprofundar a democracia, contra a elite medíocre e os interesses privados [Nota, JVC: o que é uma democracia aprofundada, em relação à actual?]. 2. luta contra a corrupção, quer a do Estado e da administração, quer a das sentidas privadas. 3. não aceitar o discurso troikiano da nossa culpa, não nos intimidarmos com o “não há dinheiro” [JVC: mas não dizem como se obtém o dinheiro].
A mais, slogans com fartura. Como exemplo, o já gasto 1 e 99%.
Hoje, o seu mural do Facebook traz o compromisso que foi assinado entre o grupo/duo NRA/JAD e o PTP. Como verão os que o lerem, não enganei na caracterização que fiz atrás.
Mas parece que vai haver programa, feito à moda, como por cá se pensa que fez o Podemos  (erradamente, como mostrarei um destes dias), “com as pessoas”, sem propostas centrais, tudo em lógica assembleist e só com propostas mínimas.
Com que bases ideológicas não percebi. Mas ouvi o suficiente para me permitir localizar o AG!R. Desde logo, a desvalorização da dicotomia esquerda-direita, em relação a “os de cima” e “os de baixo”. Que o essencial hoje é unir todos os democratas [JVC: como se estivéssemos em fascismo], lembrando que a clivagem é entre os bancos e os seus explorados e devedores (!).
Parece que tudo isto ainda vai ser elaborado, com o contributo dos grupos e movimentos que aderirão ao AG!R. Mas, seja qual for esse contributo e o respeito pelo diálogo, uma coisa já está definida: a cabeça-de-lista será JAD. Isto é que é democracia.
Outra diferença em relação ao tempo de Avançar tem a ver com as alianças. Como tantas vezes temos dito, outros e eu, a disponibilidade para servir de muleta ao PS, no caso, mais do que provável, de ele manter a sua política, é a pedra de toque dos novos partidos que se apresentam como preenchedores de um vazio à esquerda. É o caso do LIVRE/Tempo de Avançar, mesmo que não se concorde com essa posição. Mas é honesta.
Mas já o AG!R não é de esquerda, não diz o que pensa em relação à resolução da crise austeritária e do problema da dívida, não diz uma palavra sobre o estado social de bem-estar. O que é, claramente, é um partido/movimento populista, com apelos vagos a uma democracia “que é de todos”. “Agir é essa proposta: não interessa se és de esquerda, de direita, de centro, ou não te reconheces em lugar nenhum, o que interessa é a tua vontade de participar nesta ruptura popular e construir uma verdadeira democracia.” O primarismo ideológico e a demagogia de tudo isto são confrangedores.
Muito se disse, mas ficaria forçosamente incompleto sem se falar do partido mãe de aluguer. Até ontem, já nem me lembrava de que existia um Partido Trabalhista Português (PTP), insignificantemente sempre inferior a 1%, excepto no caso de umas eleições madeirenses em que serviu de candidatura ao candidato amalucado, José Coelho.
Interveio ontem o seu presidente, Amândio Madaleno, dizendo transparentemente coisas que, fosse eu a estar na mesa com ele, me enfiaria chão abaixo. Fez largos anos de carreira partidária no PSD, em particular na área sindical. No tempo de Manuela Ferreira Leite, entendeu que “o partido não ia a parte nenhuma” e, de um dia para o outro (?!) fez o PTP, cujos estatutos dizem ser de centro-esquerda. No entanto, ele define-se como social-democrata, sob a grande inspiração de Sá Carneiro. E, como objectivo principal, dar voz a todos os que estão descontentes com o CDS e com o PSD. É com este homem que NRA e JAD se querem sentar à mesa? Ou estão confiantes de que o vão empalmar? Vejam o MPT!
Quanto à pessoa, devo dar todo o benefício da dúvida, mas a impressão com que fiquei foi a de um advogado provinciano, pouco culto e de fraca estruturação mental.
E já basta de AG!R. Virá a seguir o MAS/Juntos Podemos. Lembremo-nos de que inicialmente estavam todos junto numa tentativa infantil e desinformada de fazer um Podemos, depois zangaram-se e houve uma guerra de registo de nomes, também acusações de João Labrincha a NRA de manobrismo já desde o tempo do Que se Lixe a Troika (com vagas alusões ao PCP). A novela promete. Tudo isto é triste e fraudulento, mas dá vontade de rir.

terça-feira, 3 de março de 2015

Carta aberta a Alfredo Barroso

Caro Alfredo Barroso, gostaria de comentar com maior profundidade o seu muito discutido texto no Facebook. Os nossos leitores comuns sabem que tenho perguntado infindavelmente “o que é hoje o CDA?” À simples pergunta “quem é o seu núcleo duro dirigente?”, aos costumes dizem nada. Só não formulo uma opinião definitiva porque ainda vejo ligados ao CDA pessoas que estimo e tenho por honestas, mas cada mais me parece que, hoje, o CDA não é politicamente sério.
Recordemos alguns factos. 
1. Em Outubro de 2012, o Congresso Democrático das Alternativas (CDA) foi um sucesso, mobilizando cerca de 2000 pessoas de todas as correntes de “esquerda radical” em torno de um programa que ia tão longe como a exigência de denúncia do memorando, ainda em vigor. Viam-se na sala militantes e simpatizantes do PCP e do BE, ex-comunistas sem partido, militares de Abril, um pequeno grupo pouco interveniente à volta de Rui Tavares e até meia-dúzia de socialistas de esquerda, com destaque sonoro para Ana Gomes. A declaração política recebeu cerca de 4000 subscrições. Recorde-se que o congresso teve lugar no rescaldo da grande manifestação de 15 de Setembro.
2. O CDA foi convocado por uma comissão organizadora de 52 pessoas, que mais tarde veio a designar uma comissão executiva desconhecida. Na organizadora, avultam jovens intelectuais com reduzida experiência política, com a cobertura da credibilidade política de pessoas como Carvalho da Silva. Começam a emergir os novos economistas, reunidos no blogue Ladrões de Bicicletas e com destaque para o até então quase desconhecido professor de Coimbra, José Reis. Também, operacionalmente, uma pessoa de grande capacidade de relações pessoais, José Maria Castro Caldas. Curiosamente, vai-se apagando o nome antes ubíquo na esquerda intelectual de Boaventura Sousa Santos.
3. Não posso garantir, mas julgo lembrar-me que em todas as reuniões ou conferêcias de imprensa, na mesa ou na agitação organizava, se via quase sempre Daniel Oliveira.
4. Este capital político nunca foi devidamente aproveitado, pelo menos em termos de actividades inovadoras e apelativas. Uma conferência de impacto mais reduzido, 580 pessoas, “Vencer a crise com o estado social e com a democracia”, em 2013, teve muito menor projecção política e as suas conclusões políticas são mornas, generalistas e sugerindo uma preocupação central “convergencista” peri-PS que estava então a ganhar força. Ressalte-se no entanto, positivamente, que as conclusões mantenham a proposta de denúncia do memorando.
5. Desde então, o CDA provavelmente alienou muito do interesse inicial, limitando-se a uma actividade envelhecida e para envelhecidos, principalmente de debates de convencidos para convencidos, de manifestos, num “downsizing” de que falaremos adiante. As sessões públicas têm sido rituais e não me lembro de uma única em que, livremente se tenham discutido linhas estratégicas e tácticas, relações à esquerda ou aspectos organizativos. Nem sequer de alguma vez convocado, de entre os apoiantes iniciais do CDA. Quase uma organizaçãoo secreta.
6. A partir do fim de 2013, há gente que, a) aproveitando o natural desejo de unidade por muitos eleitores da esquerda em sentido amplo; b) considerando que o descontentamento não estava a garantir a vitória do PS, eventualmente a exigir um encosto à esquerda, ainda que ridículo, para não ser obrigado a um bloco central que o “pasok”iaria; c) beneficiando de alguma evidência (infrutífera) nas grandes manifestações de 2011 e 2012 e de boa imprensa (onde muitos estavam), começou a agitar-se no sentido de qualquer coisa “no centro da esquerda”, corrida ganha pelo LIVRE de Rui Tavares.
7. O último ano é fértil em movimentações, não sendo abusivo considerar que, em boa parte, condicionadas por Daniel Oliveira e, a meu ver, em estreita articulação com a sua influência no CDA. Em Dezembro de 2013, aparece um manifesto – “3D: Pela Dignidade, pela Democracia e pelo Desenvolvimento" – assinado por 65 pessoas, em enorme maioria conhecidas como participantes em iniciativas do CDA. Dificilmente se poderia imaginar, naqueles 7 parágrafos, tal generalidade, unificadora, o preço indispensável num teatro político de primas donas, como o nosso. Entretanto, correndo por outra pista, Rui Tavares consegue a legalização do LIVRE. Muito pouco diferencia ambas as coisas e uma os assemelha essencialmente, como dizem e redizem: "eles são necessários porque PCP e BE são partidos de protesto que não querem governar e é necessária uma coisa nova com vocação de viabilizar governos de esquerda" (leia-se, com o PS, o único que pode dar base a uma maioria, a curto prazo).
8. Entretanto, Daniel Oliveira já tinha deixado o BE. Uns tempos depois, reestabeleceu (ou tinha-as mantido) relações organizavas com ex-camaradas, isto é, o pequeno grupo de Ana Drago que, ao que parece, tinha no BE uma associação (Fórum Manifesto) a que continuou a pertencer Daniel Oliveira mesmo depois de se desfiliar do BE.
9. Os promotores do 3D tinham-se proposto “desenvolver um movimento político amplo que no imediato sustente uma candidatura convergente a submeter a sufrágio nas próximas eleições para o Parlamento Europeu (…) e a constituição de uma lista credível e mobilizadora, que envolva partidos, associações políticas, movimentos e pessoas que têm manifestado inquietação, discutido alternativas e proposto acção”. À partida, o 3D exclui discussões com o PCP, o que, eventualmente, não deixava de ser realista. Note-se que, por razões técnicas e legais, era impossível a candidatura sem ser sob o chapéu-de-sol de um partido legal, do que o Manifesto (Miguel Portas, Daniel Oliveira, outros) já tinha experiência, com a OPA ao MDP/CDE..
10. Depois de contactos infrutíferos com o BE e tendo tido acolhimento favorável só pelo LIVRE, os promotores do 3D decidiram, em assembleia, “pôr termo à sua atividade enquanto Comissão Promotora e a qualquer forma de intervenção pública em nome do Manifesto 3D.” De qualquer forma, nos meses seguintes, Daniel Oliveira (creio que não invocando o 3D, mas sim o Fórum Manifesto codirigido por Ana Drago, recém-saída do BE), mais o movimento autárquico independente do Porto e a Renovação Comunista (uma associação letárgica), constituem com o LIVRE a plataforma Tempo de Avançar. Continua tudo em carrossel.
11. O LIVRE recebeu um presente envenenado. Tem a imagem de gente bem intencionada, talvez ingénua, mas não carreiristas da política. Mas, tendo-se definido como no meio da esquerda e totalmente aberto a entendimentos dessa esquerda larga, não podia deixar de acolher esses primos, quando ainda nem sabe o que vale em eleições nacionais. Os parceiros vão dar-lhe alguma coisa ou vão prejudicá-lo na tal imagem simpática?
12. Volto ao início, agora que Alfredo Barroso faz acusações graves e pesadamente adjectivadas a Daniel Oliveira. Essencialmente, para além da caracterização da personalidade de Daniel Oliveira, acusa-o do “downsizing” que referi no ponto 5. Longe de mim duvidar desse convencimento de Alfredo Barroso, mas deve haver lapso. Logo dois meses depois do congresso (Dezembro de 2012, ainda Daniel Oliveira era membro do BE!), Alfredo Barroso e Vasco Lourenço demitiram-se da sua comissão organizadora, sem motivos de “downsizing” de actividades. O que invocam é a existência de tentativas de controlo partidário, designadamente pelo BE (BE tal como era, antes das cisões e abandonos de 2013 e 2014, e onde ainda estavam, relembro, Daniel Oliveira e Ana Drago).
13. Será que então Alfredo Barroso ou Vasco Lourenço podem esclarecer os milhares de apoiantes do CDA sobre os pecados originais do movimento e erros de procedimentos subsequentes, sempre muito bem escondidos? Podem dizer alguma coisa sobre a minha já fatigante pergunta – quem controla o CDA?
14. E, à Catão, termino sempre repetindo-me, mesmo que a despropósito: a esquerda tem de ter imaginação! 
NOTA FINAL 1 – Não gosto de fulanizar a política, mas nem oito nem oitenta. Uma organização de massas é muito o carácter e o estilo que os seus líderes lhe imprimem, muito mais em época de enorme valorização mediática.
NOTA FINAL 2 – Acho perfeitamente legítimo que se pertença simultaneamente a um partido e a um movimento. Há é coisas que não são éticas: esconder o relevo dessas pertenças; encabeçar movimentos ou iniciativas ditas explicitamente como apartidárias mas cedo a dar origem a uma candidatura de barriga de aluguer; escrever na qualidade de jornalista profissional artigos de óbvio interesse político pessoal.