quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Namoro ao PS

Um “post” meu anterior questiona a mais recente iniciativa “convergencista”. Não me daria ao trabalho de continuar em guerras que já não são minhas se não lesse, por exemplo na minha página do Facebook, comentários de amigos que, com generosidade, vão por ondas que, salvo o meu devido respeito, me parecem utópicas ou mesmo oportunistas.
Boa parte das movimentações políticas durante este tempo de troika e de governo obediente têm girado em torno da convergência da esquerda. Fora algumas propostas minoritárias de favorecimento de uma aliança inicial de um núcleo duro de esquerda, como tenho proposto (inicial mas para fortalecimento de um interlocutor táctico com o PS, em fase seguinte), acaba tudo por cair no buraco negro da aliança com o PS.
“Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto”.
1. Algumas notas históricas
Se, com facilitismo, datarmos do verão quente de 1975 as dificuldades de relacionamento entre o PCP e o PS, muito dificilmente poderemos atribuir culpas preferenciais. Acusa-se o PCP de sectarismo e triunfalismo, de tentativa de manipulação do MFA em seu favor. Admitamos que sim. Mas então, os que o dizem devem lembrar-se de que o PS inventou o caso República, não era menos dependente dos dinheiros alemães do que o PCP das ajudas de leste, que conspirou com Carlucci, que dividiu o movimento sindical, criando a UGT. Que, depois do 25 de Novembro, destruiu a reforma agrária e a democracia participativa do poder popular. Que, na revisão constitucional juntamente com o PSD, devolveu os monopólios aos anteriores sustentáculos do fascismo.
Por essa época de refluxo, o PCP bateu sempre na tecla do verdadeiro partido socialista e na falta de representação partidária de um largo sector de verdadeiros eleitores socialistas. A meu ver, foi um erro. O PS foi-se afastando cada vez mais dessa imagem de interlocutor idealizada (sinceramente?) pelo PCP e nunca o eleitorado ou os militantes do PS puderam fazer inflectir a política partidária de cedência, aliás na onda de toda a social-democracia europeia. Esperar uma transformação significativa do conjunto da esquerda por essa via é uma ilusão perigosa.
2. O que é a esquerda?
As recentes movimentações político-partidárias têm uma dificuldade evidente, ao procurarem escamotear uma contradição insanável: parte-se do princípio que é inevitável na prática garantir um governo centrado no PS e, para justificar o apoio das “esquerdas amigas”, defende-se, a priori, que esse governo seria de esquerda; mas, face a tantos e tantos desvios e cedências do PS no caminho do neoliberalismo, omite-se essa crítica. Ou então (estão a gozar comigo?) essa tendência natural do PS para o bloco central (veja-se o artigo lamentável de Francisco Assis, hoje, no Público) pode ser facilmente revertida (!!!) pela acção politicamente diletante de quem se oferece antecipadamente ao PS como seu enfeite.
Isto do que é ser esquerda tem muito que se lhe diga. Fica para “post” seguinte.
3. Sentido prático de uma aliança
Desejava poder analisar a atitude política da Candidatura cidadã tendo em conta duas coisas, articuladamente: as suas propostas programáticas e as suas propostas instrumentais. Em relação ao que temos estado a discutir, a política de alianças, a convocatória é deslealmente omissa, mas isto é preenchido pelas várias declarações dos membros destacados: pretende-se constituir uma plataforma que “não tenha medo de governar”, que considere o PS como o irmão mais velho da mesma família e que o traga para posições de esquerda.
Não vou insistir na desmontagem de tão pueril argumentação. E custa-me, porque acredito que estou a ouvir pessoas inteligentes. Mas vejamos. Aceito que os 70000 votos do Livre, concentrados em Lisboa, dêem 2 deputados. Acrescento mais um, generosamente, do 3D, do Manifesto e da Renovação. Só faz sentido esperar alguma coisa disto na base de uma lotaria de ser o que falta para maioria e o PS não ter outra alternativa (Marinho e Pinto, acordos pontuais, etc.).
As posições da convocatória da Convenção para uma candidatura cidadã são quase consensuais, descontando, como vimos, a sua viabilidade em termos de condições políticas e de poder. Quase que se pode ler isto na convocatória.
“Não basta mudar o governo para haver a mudança necessária. As próximas eleições têm de corresponder à vitória de um programa de defesa do Estado Social e do Estado de Direito e de aprofundamento da democracia em Portugal e na Europa. Sabemos em que país queremos viver. Num país que proteja o trabalho com direitos e valorize o conhecimento. Que ajude a economia a ser mais inovadora e mais solidária. Que proteja o ambiente e o território. Que se orgulhe do Estado Social e melhore a sua Escola Pública, o seu Serviço Nacional de Saúde e a sua Segurança Social. Que combata a precariedade, redistribua o rendimento e erradique a pobreza infantil. Onde a igualdade seja o eixo central de um novo contrato social e a alavanca para um novo modelo de desenvolvimento.”
Muito bem, estamos todos de acordo. Mas não basta mudar o governo para que governo? O PS só não basta? Vai ser preciso o PS mais os seus novos amigos? Parece um exercício impossível, ou à gato de Schrödinger, de namorar o PS mas manter a virgindade.
No fim do texto, chegamos ao que parece a chave. Não se trata de programa, de firmeza política, de compromissos de alianças, mas do novo método, pós-moderno, de preparar uma candidatura, num processo às avessas: “elaboração de um programa auscultando os cidadãos, num processo de debate e deliberação público, transparente e informado; uma convocatória a uma candidatura cidadã às próximas eleições legislativas, através de um processo de construção de listas aberto, em eleições primárias.” 
Sempre a forma sempre antes do conteúdo!
NOTA 1 – Isto das primárias, para mais se abertas, é uma burla, coisa de tempos de midiatização da política. Resulta sempre na candidatura privilegiada das figuras conhecidas, independentemente das suas ideias e propostas. Veja-se o destaque de Rui Tavares na lista do Livre às europeias. Para 2015, aposto que, à cabeça, vêm Tavares, Daniel Oliveira e Ana Drago. E que Cipriano Justo, mais ingénuo, fica para trás. Já não tenho idade para estas brincadeiras e a memória dos meus tempos de luta e de tantos camaradas não é compatível com oportunismos.
NOTA 2 – Dedico este texto ao António Martins Coelho, pela seriedade e rigor intelectual como que comentou o meu texto anterior no Facebook, apesar de eu não concordar.

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