sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Recordando o MDP/CDE (3)

Fora alguns casos individuais, os dissidentes do PCP depois da tentativa do golpe de Moscovo, em 1991, constituiu-se num movimento informal, a Plataforma de Esquerda. Em breve, houve uma cisão de facto entre uma corrente, personificada por Pina Moura, que advogava a aproximação ao PS (partido a que muitos acabaram por aderir), enquanto que outros, com realce para Miguel Portas e o grupo do Manifesto, se opuseram a essa orientação. 
Em 1995, perante as dificuldades organizativas e financeiras do MDP/CDE, não obstante a valia da sua reordenação pós-rotura da APU, o grupo do Manifesto inscreveu-se em massa no MDP e, na prática, passou a controlar o partido, com a concordância legítima da maioria dos militantes do MDP/CDE. Essa “OPA” permitiu ao grupo aderente ao MDP/CDE usar o registo partidário do MDP, transformado no Política XXI, um dos três pequenos partidos que viriam a constituir o Bloco de Esquerda. 
Entretanto, uma minoria de dirigentes do MDP/CDE, entre os quais José Tengarrinha, Mário Casquilho e eu, deixa o MDP/CDE e ainda tenta constituir, sem sucesso, uma associação política. O texto que se segue é a declaração de constituição da Associação MDP, reafirmando muitas das posições aprovadas no VII Congresso de 1992. 
(NOTA – Numa troca de comentários entre Vítor Dias e eu emerge, em relação a este caso, a questão agora em foco do “partido envelope”. Para não fazer pesar excessivamente esta entrada, deixarei isso para a próxima)
CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO POLÍTICA MDP

A — Os signatários decidem constituir-se em associação política não partidária, de reflexão e intervenção cívica, na base da identidade ideológica e da prática que fundamentam as suas ligações no seio do MDP, enquanto realidade política e humana.

B — A Asociação, integrada inicialmente por militantes e simpatizantes do MDP, está aberta a todas as pessoas que se identificam com os seus objectivos.

C — A Associação MDP tem neste momento natureza informal, mas tenderá a institucionalizar-se legalmente, na altura em que a assembleia plenária dos seus aderentes entender que tal se justifica.

D — Os signatários consideram que a Associação é detentora do património político resultante das posições e intervenções políticas do partido MDP e da participação deste, individualmente ou em associação com outras entidades, em iniciativas de reforço da cidadania em Portugal e em iniciativas e organizações internacionais, nomeadamente nas suas relações com os movimentos ecologistas e ecossocialistas europeus. Essas posições e intervenções têm sido pautadas pelos seguintes princípios:

1. Um conceito aberto sobre a Esquerda, não condicionado pelas compartimentações ideológicas tradicionais. Entendemos a Esquerda de hoje como um largo leque de forças e movimentações sociais (nomeadamente socialistas de várias tendências, ecologistas, progressistas de inspiração cristã) que convergem para a luta continuada por profundas transformações sociais.

2. A valorização da diversidade da Esquerda, entendendo-se que a verdadeira estabilidade política é uma estabilidade dinâmica, feita de consensos e aproximações entre perspectivas plurais, entre múltiplas opiniões organizadas.

3. A contribuição para a ultrapassagem do bloqueio da Esquerda, causado pela dificuldade de diálogo e aproximação prática dos seus partidos, e também pela falta de resposta a um novo quadro de perplexidades e interrogações, de novas motivações na intervenção cívica e social. Este bloqueio enfraquece a capacidade mobilizadora da Esquerda, no seu conjunto, em contraste com a convergência de facto da Direita.

4. A consciência do desafio colocado pelo facto de o sistema capitalista estar longe de uma qualquer crise final e se mostrar ainda capaz de se adaptar a novas condições técnicas, sociais e económicas, como os problemas energéticos, os efeitos da electrónica, da informática, da automação, da produção científica, a mundialização do mercado e das interdependências económicas, bem como a facilidade das comunicações. Todavia, essa capacidade de adaptação assenta na marginalização de extractos sociais como os desempregados, os emigrantes, os jovens e os idosos, na chamada “sociedade de dois terços”, condição de estabilidade do sistema. Mas condição precária, porque em crise económica ou alteração brusca do sistema o estrato inferior amplia-se de forma a pôr em perigo os “dois terços”, que se enquistam e mais marginalizam os excluídos, com extremar das tensões sociais .

5. A caracterização da Esquerda, por estas razões, como continuando a ser, no fundamental, a luta contra a discriminação das camadas sociais marginalizadas e excluídas, a luta contra a distribuição socialmente injusta da riqueza, a luta contra a exploração e atraso forçado da maioria dos povos, a luta contra o obscurantismo e a alienação, a luta contra a competição selvagem.

6. A necessidade de colocar em termos novos os objectivos e as vias dessa luta. A Esquerda não mostra ainda um esforço consequente para a procura de um novo quadro global e coerente de referências ideológicas que dêem resposta à ofensiva ideológica liberal e às ridículas teses do “fim da história”. Pode-se mesmo pensar que sectores tradicionais da Esquerda não só não procuram um novo projecto como até pensam que não o procurar é condição do seu êxito eleitoral. Mantendo-se como simples alternante do poder, ela está condenada, como até agora, a ser chamada a governar em época de constrições económicas, sendo depois penalizada. Será este o resultado inevitável se tentar gerir a crise económica com as receitas liberais, mas com margem técnica reduzida, porque limitada pelo seu eleitorado que não lhe permite os custos sociais daquelas soluções.

7. A necessidade de uma reflexão sobre as raízes psico-sociológicas do sucesso (até agora) do “cavaquismo” e da simpatia primária por um discurso de sucesso e crescimento económico, com o aparecimento de uma mentalidade nova-rica, culturalmente medíocre, egoísta e agressiva, e desligada do sentido da solidariedade, factor de suporte, no plano político, da arrogância e falta de diálogo democrático, do comportamento de partido único, da menorização da cidadania efectiva.

8. A verificação de um conjunto de profundas mutações sofridas pelas sociedades industriais desenvolvidas, com importantes reflexos nas sociedades intermédias e periféricas, de tal forma que a resolução de problemas típicos de subdesenvolvimento de uma fase anterior já só é possível se simultaneamente atender à crise social: desumanização das cidades, estiolamento da vida rural, alienação da juventude, isolamento da vida individual, perda de relações familiares e gregárias, uniformização massificadora dos lazeres. 

9. Nesta perspectiva, um conceito de desenvolvimento que ultrapassa a visão economicista do desenvolvimento, centrada no crescimento económico, na industrialização e na urbanização intensiva. O verdadeiro desenvolvimento é um desenvolvimento socio-económico e cultural integrado, visando um bem-estar individual e social avaliado tanto em termos de riqueza material como de qualidade de vida. É um desenvolvimento que preserva o equilíbrio ecológico, que não acentua, antes diminui, as clivagens sociais, que aproxima a cidade e o campo, que valoriza os recursos endógenos.

10. A defesa da presença da propriedade colectiva e do planeamento democrático na organização económica da sociedade, mas apenas no grau necessário à viabilização das escolhas estratégicas assumidas livre e participadamente pela sociedade. Assim, não há contradição essencial com o papel do mercado, como mecanismo regulador e como factor de satisfação das necessidades de consumo, não sendo legítimo considerar o mercado como sinónimo absoluto e exclusivo da economia capitalista.

11. A certeza de que as acções políticas de âmbito nacional não se podem desligar da percepção das grandes questões planetárias transversais aos sistemas económico-sociais, como a insegurança, as guerras e o armamento, os atentados contra a natureza, a gestão perdulária de recursos naturais esgotáveis, a desertificação e fome em largas faixas do globo, as novas pandemias, a droga e outros flagelos sociais, os problemas éticos postos pelos avanços técnicos.

12. A verificação de que, perante todas estas alterações profundas do quadro político e social, as formas e os mecanismos institucionais adoptados há mais de um século (designadamente o sistema partidário) se mostram hoje, por si sós, cada vez mais ineficazes. Ao mesmo tempo, revelam uma dificuldade crescente de serem veículos e centros de acolhimento das aspirações sociais, acentuando a sua opacidade.

13. A convicção de que os movimentos sociais, as lutas temáticas ou transversais e variadas formas de associações políticas serão cada vez mais terreno de  geração de novas perspectivas concretas de dinâmica social. Sendo necessária esta “ascensão do social ao político”, é indispensável que o sistema institucional não a obstrua. Os novos caminhos de aprofundamento da democracia serão experimentais, vindos do auto-laboratório social, e por isso não são pré-definíveis pelo ordenamento constitucional e jurídico as formas concretas daquela ascensão ou o papel a desempenhar pelas organizações políticas não partidárias. Mas é necessário que o sistema mostre capacidade de recepção a novas formas organizativas da reflexão e acção política, lhes dê à partida cobertura institucional e lhes faculte meios de funcionamento.

E — A Associação usará o símbolo tradicional do MDP.

Lisboa, 6 de Março de 1995

2 comentários:

  1. Caro Vasconcelos- Costa: não vale a pena voltar à questão do partido-envelope. Tudo resultou de um erro meu que foi citá-lo naquele meu comentário do facebook quando não havia nenhuma razão para isso. De facto, eu só queria deixar o lembrete de que a técnica do partido-envelope não era assim tão nova pois no inicio o Bloco também o tinha sido pois os seus mais conhecidos dirigentes nem podiam ser eleitos em Convenção por serem filiados no PSR, Política XXi e UDP. Nada portanto a ver com o MDP e constituição da Política XXI.

    ResponderEliminar
  2. Caro Vítor Dias, mas não deixa de ter alguma razão e por isso queria relembrar aos leitores o que se passou, mesmo que a si não precise de o fazer. De certa forma, a maioria do MDP, com a mais generosa das intenções, aceitou o que chamo OPA e que, de facto, foi uma subalternizarão da identidade própria do partido, por muito respeitáveis que fossem os novos companheiros. O que não se passou foi a fraude política de um partido servir de envelope para candidaturas de quem não e quer assumir como membro desse partido. Aí é que esteve a diferença, porque o grupo Portas, embora alterando por razões tácticas o nome do MDP/CDE, entrou nele para todos os efeitos e colaborando fraternalmente com os MDP que lá tinham permanecido.

    ResponderEliminar

Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.