sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Esclarecendo

Tenho recebido alguma críticas amigáveis que, não fosse que só por isso, me mereceriam dever de esclarecer. Que não apresento a minha ideia de o que deve ser um novo partido que tanto defendo. Que critico alguma esquerda, o que beneficia a direita. Que estou sectariamente contra a convergência da esquerda.

1. Que novo partido?

Não é verdade que não tenha definido o que entendo, pessoalmente, que seria o partido que julgo fazer falta, o mais rapidamente possível. Fi-lo quando defendi essa tese, aqui, aqui, aqui e aqui, defesa que, obrigatoriamente, já tinha implícita a natureza e características ideológicas e programáticas do novo partido. Dizer que há um vazio é dizer como deve ser preenchido, claro que não indiferentemente com seja o que for.

Depois, ao analisar criticamente as posições de princípio e operacionais do eventual futuro LIVRE, numa série de artigos desenvolvidos (I, II, III, IV e V), julgo que ficou claro, por contraponto, o que vejo como princípios e posições práticas, propositadas, de um outro tipo de novo partido, bem diferente. Finalmente, até recordo que listei uma sugestão de características definidoras bem explícitas, primeiro resumidamente, depois mais desenvolvidamente. Em todo o caso, aceito a crítica – nunca faz mal insistir nas propostas – e muito brevemente retomarei este tema. Mas em tempo de não ser confundido com uma competição com o LIVRE, coisa para que não tenho idade, nem ambição pessoal, nem meios, nem amizades de imprensa.

2. Crítica à esquerda?

Em primeiro lugar, é evidente que não me agrada nada poder dar trunfos ao adversário. No entanto, se coisas criticáveis podem ser usadas por ele, o melhor é que quem as pratica não as faça. Este espaço e a minha vocação não é de intervenção política directa, de perspectivas tácticas, antes de reflexão e análise, coisa que talvez falte muito quando as organizações estão absorvidas pela acção e por actividades mediáticas, eleitoralistas ou de propaganda, com algum prejuízo relativo do trabalho ideológico.

Também me parece que os leitores de blogues com forte teor político, como o meu, já são maioritariamente aderentes à tónica do que lêem. Só precisam de ler críticas à direita como exercício de companhia no protesto e na oposição, mas que lucram com algum estímulo à reflexão sobre o que se passa no seu próprio campo. Também, como se vê muito por comentários, são muitas vezes pessoas perplexas com o que lhes parece ser alguma desorganização ou diluição de ideias à esquerda. É positivo dar-lhes exemplo de que, contra o clichê dos vícios partidários, se pode ser isento, racional e objectivo, até por se criticar os amigos ou companheiros de armas.

(Entre parênteses, isto levanta um problema importante hoje: nõ se terá esgotado ou desvirtuado o papel dos blogues? Por um lado, como fiz notar, escreve-se para já convencidos, em circuito fechado, em número reduzido ou de fiéis. Por outro lado, muitos blogues são instrumento despudorado de propaganda e mesmo de desinformação manipuladora, levando muito mais longe o que se critica aos partidos. Valerá a pena ainda o esforço de manter um blogue?)

Também me parece importante ter-se em conta que esquerda tenho criticado, se tenho contribuído para o desgaste geral da esquerda, como fazem os que generalizam (incluindo, destacadamente, o promotor do LIVRE) – os partidos de esquerda (e incluem o PS na esquerda) são todos culpados, ou são “moles ou inconsequentes, sem coragem”, ou são todos carcereiros de militantes não livres, ou responsáveis por muita gente ser atirada peara a abstenção ou para o voto em branco.

Ora não me vêem aqui criticar com insistência os dois partidos de esquerda dita “radical” (apesar de ter com eles muitas divergências), nem outras a organizações políticas e movimentos de esquerda. Vêem críticas frontais e creio que fundamentadas ao PS e ao projecto pessoal de Rui Tavares. Porquê?

Quanto ao PS, principalmente porque a ilusão de que é um partido genuinamente de esquerda é perigosa, se não se tiver em conta exactamente o seu significado para a acção política da esquerda, propriamente dita, da sua política de alianças e da constituição de um bloco social alargado para a resistência à fortíssima ofensiva do capitalismo de que estamos a ser vítimas. 

A meu ver, isso exige uma grande clareza quanto à caracterização do PS e à avaliação rigorosa das possibilidades razoavelmente viáveis de o chamar a acção conjunta. A crítica da sua actual posição numa social-democracia europeia rendida ao ultraliberalismo, mesmo que numa versão de ordoliberalismo, parece-me contribuir para uma reflexão objectiva sobre o que isto traz como condicionalismo. Não é para uma crítica pela crítica, mas para tirar conclusões. Ficarão para uma próxima entrada,m também a responder a outro desafio que me fizeram: definir o que é esquerda.

Recentemente, critiquei também, com força (ver referências atrás), o projectado partido LIVRE, mesmo antes de o ser, se é que virá a ser. Alguém teria de o fazer, porque, compreensivamente, os partidos de esquerda não o fizeram, não querendo dar-lhe importância. Pelas razões que expus nas minhas entradas, creio que tem importância, pelos seus aspectos negativos, entre os quais: 

a) dar falsas expectativas a muitos bem intencionados que estavam desiludidos, dando-lhes um álibi para não se esforçarem por outras hipóteses de intervenção. b) criar anticorpos pela sua petulância de principiantes políticos deslumbrados, contribuindo assim mais para dificuldades de relacionamento à esquerda. c) desgastar principalmente o BE, um partido que, mau grado erros acumulados, tem um papel importante na fixação de militantes e eleitores que não vão pelo PCP. d) defender como um dos seus principais pilares um europeismo utópico que incita à subvalorização da luta democrática e patriótica das nossas próprias forças portuguesas. e) “last but not the least”, um partido que, para quem tem a experiência política mínima que permite decifrar as suas declarações, tudo indica que acabará como muleta do PS.

3. Oposição à convergência da esquerda?

Longe de mim, mas responder a isto tem de ser um pouco mais longo e merece entrada própria. Fica para amanhã ou depois.

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