sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Velhos e novos fascistas?

José Manuel Correia Pinto, no seu imperdível Politeia, cunhou hoje um novo termo para Gaspares e canalhada: novos fascistas. Pode parecer um chavão, mas JMCP nunca escreve nada sem grande rigor conceptual e histórico.
Em poucas palavras é este, para começar, o projecto que o FMI tentará pôr em prática em Portugal para “refundar o Estado”. Mas o ataque neoliberal não se fica por aqui. É preciso também destruir o Estado de direito nalgumas das manifestações mais eminentes dos princípios que dele decorrem. É neste sentido que devem ser interpretadas as intervenções dos “novos fascistas” (terminologia que doravante utilizaremos para caracterizar os corifeus deste ataque bem como os seus apaniguados e que um dia tentaremos fundamentar teoricamente para que o termo não pareça uma simples aberração retórica) contra a Constituição, relativamente a questões que nada tem a ver com o Estado social, nomeadamente a propósito da eventual ou hipotética declaração de inconstitucionalidade de normas orçamentais.

Meu caro, não sei bem se partilharei contigo o uso deste apodo "novos fascistas". É verdade que estamos em presença de uma nova direita (ou, porque não, de uma nova extrema-direita?), qualitativamente diferente daquelas que temos visto nas últimas décadas, incluindo o CDS. E até todos os boys Goldman-Sachs têm ido é para o PSD, muito mais albergue espanhol do que o CDS, honra valha a este.

São os prosélitos fanáticos de uma religião que faz cerimónia-mor em Davos, enquanto manobra diariamente nas sacristias dos bancos e nas cúrias episcopais das burocracias financeiras internacionais e manda missionários estilo meninos de Deus nas troikas que nos invadem.

Não há dúvida de que tens razão em caracterizá-los teoricamente como (novos) fascistas. Têm uma ideologia totalitária, desprezo pelas normas básicas da democracia e da "ética republicana", culto do poder (antes militar, hoje económico), total subvalorização de um povo concreto em relação a um "ente social" abstrato portador de um destino histórico (neste caso, agora, uma camada superior de grandes do capital financeiro, seguida de uma camada de tecnocratas serventuários que eles próprios personificam). Já não encenam o domínio das massas mas fazem-no de forma subtil, manipulando a opinião pública. E servem-se desta manipulação para que lhes dêem aceitação para a destruição do estado de direito. O recuo revolucionário de 25 de Novembro foi uma brincadeira comparado com isto.

Em termos de referências nacionais, não me parece haver dúvidas de que esta gente se encaixaria de alma e coração no salazarismo. Simplesmente, isto remete-nos para uma velha questão teórica: o salazarismo foi uma forma de fascismo? Em termos de uma reflexão marxista sobre as relações de poder e de classes nos fascismos mais espectacularmente típicos e brutais, mas também de muitas outras ditaduras de direita na Europa dos anos 30, julgo que sim, talvez na versão de Graciliano, "o nosso pequenino fascismo tupinmambá". Valem menos, para mim, como caracterizadores, os aspectos operáticos.

Mas como os historiadores modernos, mesmo os de esquerda, para não falar de Rui Ramos, Filipe Ribeiro Menezes e outros revisionistas, fazem guerra em "desconfundir" salazarismo e fascismo, com algum sucesso, acho que não devemos dar cera para tão ruim defunto.

Lembrei-me de que toda a gente que perfilha uma ideologia socialista é apodado de socialista. A identificação é ideológica e política. Pelo contrário, e os nossos clássicos têm alguma culpa, o termo capitalista refere-se à propriedade e à classe, sem conotação ideológica imediata. Já é tempo de acabar isto, até porque a figura típica do capitalista individual já se diluiu até certo ponto. E, com esta crise, adquiriu conotações negativas.

Portanto, capitalista tanto deve servir para designar o detentor de capital como o que defende o capitalismo como a ordem social que deseja e em que não consegue deixar de ver o mundo e a sociedade (deles). Claro que há muitos graus. Assim, para Gaspares, Moedas, Borges, Barrosos, só para dar exemplo de lusofalantes, proponho "ultracapitalistas". Fica de fora Passos Coelho, noutra categoria, a dos "tontocapitalistas".

2 comentários:

  1. Meu Caro João

    O conceito de novos fascistas não radica no desenvolvimento do conceito originário (e ele existe com coerência teórica?) do fascismo italiano.
    O fascismo italiano apesar de alguns elementos identificadores facilmente enunciáveis por qualquer historiador como, por exemplo a existência de um chefe carismático, do corporativismo, do nacionalismo exacerbado, na rejeição da democracia parlamentar, do imperialismo, não se pode dizer que tenha tido o que se possa chamar uma filosofia própria. É uma ideologia na sua prática repleta de contradições sem que, contudo, aqueles elementos identificadores deixassem de estar presentes sempre.
    É claro que o que existiu em Portugal não foi bem isto (e a Irene Pimentel caracteriza como ninguém a ditadura salazarista), nem mesmo em Espanha, nem noutros países da Europa. Já o nazismo, pelo contrário, não estando isento de contradições que se acentuaram à medida que a própria Alemanha nazi ia claudicando, era uma ideologia muito mais coerente assente numa concepção teórica (filosófica) que os seus dirigentes se esforçavam por levar à prática sem contemplações.
    Entretanto o conceito de fascismo foi evoluindo a ponto de se ter tornado pejorativo a partir da derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial.
    É com essa carga pejorativa de apropriação do poder e seu exercício incontrolado por uma camada social que foi ao longo destes últimos setenta anos servindo vários interesses, embora sempre com predomínio dos grandes interesses capitalistas, que o conceito pode hoje ter alguma utilidade nas condições concretas do nosso tempo e da crise que vivemos.
    Certamente que toda essa gente que referiste é “ultra-capitalista”, embora este conceito deixe pressupor que o capitalismo possa ser algo diferente do que realmente é por livre decisão ou opção dos titulares dos meios de produção. Não pode: o capitalismo é isto que hoje temos como já foi isto até à I Guerra Mundial (actualmente com hegemonia do capital financeiro, então com hegemonia do capital industrial) e só não foi exactamente quando o proletariado teve a força suficiente para o impedir. Por outras palavras: todo o capitalismo é, por definição, ultra.
    Mas, independentemente destas considerações, o conceito de “ultra-capitalistas” não é, ou não é suficientemente, pejorativo nem mobilizador. Mais acertado seria chama-lhes neoliberais, mas isso também não implica a rejeição automática do projecto que defendem, enquanto o conceito de “novos-fascistas” faz apelo a múltiplas reminiscências entre as quais uma que cada vez se torna mais evidente: a existência de uma camarilha que, à revelia do tecido social existente e com total desprezo pelas suas consequências sociais, tem em vista a execução de um projecto contrário aos interesses da larga maioria, advogando para a sua concretização o exercício incontrolado do poder sem qualquer preocupação de legitimação.

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  2. Julgo compreender perfeitamente as suas eloquentes reservas, João, mas subscrevo o ponto de vista de JMCP, aliás exposto e defendido na resposta com não menor brilho.
    Sem pretensões teóricas descabidas, creio que nesta matéria devemos renunciar aos tentadores instrumentos semióticos usados por aí a torto e a direito a propósito do conceito de fascismo. Veja-se nele ou não uma herança do despotismo iluminado que vem atravessando os tempos sem grande embaraço, o fascismo assenta numa visão perversa da legitimação e da representatividade (a que não renuncia, mesmo que recuse o modelo partidário...), de que os nossos "neo-liberais" não se afastam significativamente.
    Na verdade, mostram à saciedade desprezar o conteúdo do mandato ínsito à sua investidura no poder, julgando-se legitimados pela sua ideia de "bem comum" de cuja autocrática enunciação os fascismos nunca abdicaram, e afrontam de peito feito o estado de direito quando definem o seu "direito constitucional de emergência nacional" (sem quererem todavia o mecanismo constitucional da sua declaração!) como limite ao poder de julgar do Tribunal Constitucional...
    Por mim, e muito mais se poderia dizer, esta postura denota muito mais do que a defesa à l'outrance do liberalismo como doutrina económica e inspiração institucional, justificando o embaraço doutrinal que etiquetou a coisa com um "neo" muito conveniente.
    Não creio que se deva temer a "desvalorização" da moeda ideológica, a pretexto de que "não é bem isso". Pelo contrário, diria que o desafio é forte mas denso, necessário neste tempo de esvaziamento de conceitos.
    Não tanto fora de contexto como pode parecer, recomendaria a leitura do "Um Traidor dos Nossos", John le Carré.
    Se a concentração do poder económico global que se desenha com tanta nitidez não é uma "nova ordem"...

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