sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O talibã da educação (I)

Chegou-me uma carta escrita ao ministro Crato por três colegas muito estimados: Carlos Salema, ex-presidente da JNICT numa altura crítica, a do Programa Ciência, e fundador e primeiro presidente da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN); Luís Magalhães, que conheci ainda a fazer o seu excelente doutoramento no meu IGC, depois também presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT),  e mais recentemente, presidente da Agência para a sociedade do conhecimento (UMIC); João Sentieiro, penúltimo presidente da FCT, recentemente substituído pelo atual ministro.

Para quem não sabe, a FCCN é a Meo ou Zon das universidades. Faculta-lhes, a preços baixos, a ligação à internet, para além de outros recursos. Já imaginaram uma universidade sem ligação à net? É mais do que provável – embora eu não tenha dados certos – de que as nossas instituições de ensino e de investigação e, indiretamente os seus membros como eu, não conseguiriam assegurar orçamentalmente o seu tráfego informático (internet, correio, nuvens, teleconferência, e-learning, etc.) se ficassem dependentes dos fornecedores comercias de serviços de ligação de rede. Ainda por cima, sem que ninguém se queixe, a FCCN é invisível, limita-se a funcionar muito bem, o que é melhor que se pode dizer de um fornecedor de serviços – que fique esquecido. Digamos que a FCCN é a PT universitária.

A FCT é uma instituição completamente diferente, de âmbito muito vasto. Para além de estudos e constituição de bases de dados sobre o sistema científico nacional, é essencialmente a principal entidade financiadora – a nível nacional – da investigação: financiamento de base de unidades de investigação, financiamento de projetos, concessão de bolsas, contratos de investigação, etc. Por isto, na lista da independência do financiamento do Estado, está no fim do campeonato. Até lhe cabe gerir, obviamente como encargo do Estado, a comparticipação nacional nos projetos internacionais. Digamos que a FCT é o banco da universidade, no que respeita à ciência.

Não sei se há melhor figura institucional para a FCCN e para a FCT do que fundações públicas. Certo sem dúvidas é que não podem ser organismos normais da administração pública, como nem uma universidade ou um hospital ou um teatro de ópera ou uma rádio-televisão podem ser. A uniformidade esquemática da administração pública é uma herança de Salazar nem sempre recordada e discutida.

Na sua fúria cega e igualizante contra as fundações (claro que há de tudo, mas a ver uma a uma), o governo decidiu fundir ambas as fundações, FCCN e FCT. Não tenho aqui lugar nem vagar para discutir em pormenor tal asneira. Os argumentos estão muito bem apresentados pelos meus três colegas num artigo resumido, no Público, mas só para assinantes (não sei se o conseguem ler no Facebook de João Sentieiro), e no texto completo da carta que enviaram ao ministro. Só digo que é coisa tão absurdamente ilógica como fundir a PT e a CGD.

É estranho que o ministro Crato esteja em tão boa conta. Para além de ser co-rresponsável deste governo, só tem feito asneiras e é tecnicamente pouco abonado, bem como os seus "ajudantes", como dizia Cavaco, defendendo-se com alguma recetividade pública (até dos sindicatos!) ao seu talibanismo fundamentalista contra a pedagogia moderna. Talvez também por ter tido notoriedade pública como membro de “o velho, o rapaz e o burro”, no “Plano inclinado” da SIC. Falarei disto mais desenvolvidamente em próxima entrada.

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