sábado, 6 de outubro de 2012

O Congresso Democrático das Alternativas (II)

Como ligação à entrada anterior, parece-me que o que melhor resulta é a preocupação que manifestei na sessão plenária, de intervenções dos congressistas. Não a tinha escrito e tive de me restringir aos 3 minutos disponíveis, mas creio que, pelas minhas notas, o que se segue traduz fielmente o que disse, acrescentado com algum desenvolvimento que não tive tempo para fazer.
Receio que o entusiasmo que estamos a partilhar não tenha em conta um problema importante, de contradição de dinâmicas e tempos, como se diria hoje “uma questão de timing”. 
Vamos votar um documento que julgo histórico, mas que é ponto de partida, abrindo caminho para um processo a prazo, de aprofundamento de discussão, esclarecimento da opinião pública, procura de convergências, tudo em sintonia - e em alimentação mútua - com a tomada de consciência de centenas de milhares de pessoas que estão a protestar na rua. 
Nesta incerteza, é acertado que o CDA não se comprometa com soluções políticas imediatas, no quadro convencional. Isto dificultaria a unidade, que só se poderá fazer, com o seu devido tempo, no debate das posições que, neste congresso e por aí fora, forem reunindo apoios. 
Por outro lado, as tais centenas de milhares de manifestantes, que não estão aqui, e principalmente milhões de eleitores, querem alternativas credíveis e eficazes a curto prazo e principalmente no campo político que sentem, e bem, ainda ser o determinante, o eleitoral. 
O documento que vamos votar reflete esta contradição. “Reclama que os portugueses e as portuguesas sejam ouvidos em sufrágio antecipado e defende que desse sufrágio pode [JVC - sublinhado meu numa palavra tão vaga e incerta]  resultar a alternativa (…)”. 
Compreendo que o CDA não podia deixar de ecoar o grito geral de “governo para a rua”, mas cai em terreno minado. Não sendo obviamente momento de comprometer o essencial do CDA com propostas de formação de partidos ou coisas do género (por muito que eu as defenda), a posição anterior, que citei, só se traduz, no documento, numa vaga proposta de promoção do diálogo com as forças políticas para convergência na ação e na criação de alternativas. 
Sabe a muito pouco, sabe a refeição imaginária do Peter Pan. Mesmo em relação a posições claras deste congresso, há divergências insanáveis, no prazo do calendário eleitoral, entre os partidos de esquerda.  
O PS está refém dos compromissos que assinou com a troika e não se destaca do essencial da política neoliberal que a terceira via blairista da sua internacional ajudou a criar, embora se apresente hoje, cosmeticamente, como adversário dos exageros fanáticos do governo, que para isto lhe dá pretexto, mas não da necessidade do memorando da troika que este congresso claramente rejeita. 
O BE tem uma posição ambígua, com adoção muito recente mas não muito clara de duas propostas firmes do CDA, a denúncia do acordo com a troika e a renegociação da dívida. Mas não tem um plano operacional e, principalmente, recusa a inclusão nesse plano da provavelmente inevitável saída do euro, no decorrer deste processo. 
O PCP tem uma posição mais avançada e aparentemente mais aberta às posições do CDA, embora não formulada em plano concreto, mas é sintomático que nem sequer tenha aceitado fazer-se representar protocolarmente. E uma aliança entre PCP e PS só com anestesia geral a fazer esquecer décadas de ódio mútuo. 
Dito tudo isto, e não tendo propostas para resolver essa contradição que referi logo de início, espero que o tempo e a dinâmica autónoma do CDA, assim como a firmeza e clareza das suas posições, não fiquem condicionadas nesta situação contraditória por agendas políticas alheias, a curto prazo, e por objetivos irrealistas. 
Não fui muito aplaudido, não fiz vibrar a corda do protesto e da indignação… Mas deve ter havido quem tenha entendido o recado.

1 comentário:

  1. Eu entendi. Espero bem que os mais lúcidos promotores deste Congresso já tenham percebido que o tempo político acelerou.
    Abraço.

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