terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mais um que me faz falta

Recebi agora a notícia do falecimento de Nuno Grande. Foi, a todos os títulos, uma personagem  marcante na minha vida, profissional e pessoal. Conheci-o em 1970, acabado eu de chegar a Angola para serviço militar na Marinha. Alguém me tinha recomendado como seu possível colaborador na universidade, tivemos uma conversa, criamos empatia. Vi nele, naquela época, um homem com uma visão universitária que correspondia àquela que eu, nos anos imediatamente anteriores, como dirigente associativo, me tinha esforçado por promover. 

Fui seu assistente, com a responsabilidade da Biologia médica. Como, no ano anterior, tinha tido um papel muito ativo na introdução em Portugal, por via dos Estudos Avançados de Oeiras, da biologia molecular, creio que a U. Luanda foi pioneira na introdução desta disciplina moderna no plano de estudos médicos. Ele não estava muito familiarizado com isso, mas a sua cultura permitia-lhe perceber o que aquela novidade significava.

Era um grande pedagogo, um entusiasta pela educação. Anatomia tinha sido para mim a mais chata das disciplinas. Foi ele que me fez ver como podia ser intelectualmente muito bonito pensarmos na estrutura ligada à função. Hoje é banal, na altura era revolucionário. Fez de facto a Faculdade de Medicina de Luanda, depois o ICBAS, com o apoio de um homem genial, Corino de Andrade, outra grande recordação na minha influência da vida.

NG era um homem bom. Transmontano a trasbordar de alma, era referência para os muitos seus patrícios em Luanda, com uma clínica de 50% de borlas. Inteligentíssimo, os nossos domingos de praia, na sua enorme tenda, eram um desafio à conversa culta, inteligente, não convencional, sempre problematizante.

Era um fazedor de amigos. Creio que muitas vezes conscientemente do que era pôr pessoas em contato, como fez comigo e com o Percy Freudenthal (nos anos da resistência antifascista e anticolonial!), cujas afinidades ele intuia muito bem. Ou com académicos que ele prezava muito, como a Zenaide e o Manuel Américo. 

Também com amigos visceralmente angolanos, de gerações, como o Valério e a Irene, percebendo ele como eu queria sentir aquela terra, as suas "gloriosas famílias". Aquela Irene, Martins há muitos (até irmã de um que lá vimos há pouco no painel do Tarrafal, o Antoninho), mãe da "Escrarinha" hoje dinamizadora da moderna/tradicional dança em Angola. De quem um dia a empregada nos veio mostrar à mesa o bacio, "Patrão Valério, Escrarinha já estás cagar duro". 

Irene Martins, minha saudosa amiga, prima da minha hoje mais que tudo, então miudinha muito gira, treze anitos morenos, gaiatos e espertíssimos a prometer futuro lindo. Longe estava eu de pensar…

Os meus últimos contatos com NG foram quando o convidei, era eu diretor do Instituto de Higiene e Medina Tropical, para presidente da Comissão de Acompanhamento e Avalição do instituto. Já ele estava reformado, mas ainda totalmente lúcido, apesar de uns pequenos problemas neurológicos ou otorrino. O seu contributo para experiência invulgar na época, envolvendo estrangeiros, foi notável.

Um grande abraço, muito sentido, à minha velha amiga Ana Maria. Os “miúdos”, que brincavam na praia com os meus, é que já não se devem lembrar de mim.

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