sábado, 28 de julho de 2012

A Lusófona em foco

Não tenho escrito sobre o caso Relvas-Lusófona. Sou pró-reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), tenho conflitos de interesses. Apesar de membro da atual reitoria, liderada por Mário Moutinho, e que nada tem a ver com a reitoria anterior da época do caso Relvas, devo lealdade a todo um percurso institucional da responsabilidade da entidade proprietária, com  decorrentes políticas académicas, a cargo da reitoria, seja a de então, seja a de hoje a que pertenço. No entanto, é óbvio que estou a escrever a título pessoal, em nada comprometendo a universidade, para o que nem sequer tenho poderes. 

Mas também tenho o meu nome a defender e o direito a mostrar que estou a trabalhar, com a equipa reitoral a que pertenço e com a liderança do reitor, para que coisas destas não aconteçam mais, mesmo que tenham acontecido sem dolo - como estou convencido. Acho que chegou a altura em que escrever sobre este assunto tanto me defende como valoriza a ULHT.
Para mim, é altura de dizer publicamente - acho que com lucro para a ULHT -  o que muito tenho discutido internamente, nas últimas semanas. Não houve nada de ilegal porque a lei está mal feita. Não houve coisa relevante de procedimento irregular, mais relevante do que a confusão processual da época, que tem estado a ser corrigida. Estou convencido de que não houve favorecimento pessoal propositado. Houve mau entendimento do processo de Bolonha. Houve desatenção em relação às repercussões - sempre relativamente inimagináveis -, de um caso que envolvia uma figura mediática. Houve uma prática de excessiva personalização do poder académico, que não é possível hoje, já foi corrigida. Houve falta de base técnicanuma interpretação bizarra, desinformada mas certamente bem intencionada do processo de Bolonha, de quem se julgava campeão, a nível do tal decisor único, sobre o processo e critérios de acreditação. Essa responsabilidade estritamente individual, teria consequências. Teve-as, mas, para mim, limitadas e ambíguas. 
A ULHT dizendo isto, embora "politicamente incorreto", embora potencialmente alimento perverso de uma comunicação social irresponsável, creio que a opinião pública teria ficado com respeito e os alunos e seus pais confiantes na honestidade e qualidade da universidade.
Só escrevo isto hoje porque vou no sentido de um importante artigo publicado no Expresso de hoje pelo reitor, Mário Moutinho. Creio que encerra bem esta polémica. Pena é que não tivesse sido escrito logo de início, a abortá-la.

NOTA - Claro que a ULHT só apanhou por tabela. O essencial foi guerrilha político-partidária (e até me parece que mais intra-partidária). Simplesmente, alguém da ULHT, certamente bem colocado, teve acesso interno ao processo e usou-o, lesando profundamente a sua instituição. Outra lição para a ULHT e muitas outras instituições. A carreira política passa à frente de tudo; com esta "moralidade", não são só as instituições que saem prejudicadas, é a democracia que está em risco.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Vende-se universidade

O meu caro amigo Jorge Araújo, ex-reitor da Universidade de Évora, escreveu esta pérola no seu blogue “la pensée ne doit”:
O governo prepara-se para vender uma universidade pública portuguesa aos chineses, com conúbio de angolanos? Isto foi tratado nas visitas recentes dos ministros Portas e Santos Pereira? Os chineses já terão indigitado para reitor o inefável António Borges? E para administrador, em boa saída do governo, Miguel Relvas?
Começo a pensar que uma certa diferença de gerações e de sentido de humor nos está a prejudicar, a ele, a mim e aos nossos companheiros de geração. É que isto, de excelente humor, foi levado a sério, no sítio de debate interno da Universidade de Évora e até deu lugar a resposta de pompa e circunstância do reitor atual. Mas não será que as tais reações têm a ver com alguma verosimilhança da piada do Jorge? É perigoso quanto a sátira fica próxima da realidade.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Nós não somos gregos

Segundo notícia recente
A maioria dos cidadãos gregos defende que o Governo devia negociar com Bruxelas as condições impostas para a ajuda financeira, mesmo que isso possa significar a saída do euro, segundo uma sondagem publicada hoje no semanário grego To Vima.De acordo com a sondagem, 73,9 por cento dos gregos querem que as autoridades nacionais insistam na renegociação das condições impostas para o resgate, admitindo o risco de sair da moeda única, enquanto apenas 15,5 por cento defende que o Executivo deve cumprir os compromissos assumidos.
Que hipóteses há de a troika aceitar uma renegociação do resgate? Pode-se ir para uma reestruturação da dívida muito para além da simples renegociação com a troika? A saída do euro é uma desgraça, como diz a esquerda europeiófila (BE e seus amigos) ou não? Quais as consequências da saída do euro?
Nada disto importa, de momento, como proposta concreta, impossível sem muito estudo. São assuntos muito sérios, a merecer discussão aprofundada. Neste momento, a separação das águas é entre quem aceita discutir estas questões e quem as tem por tabu. Tabu é considerar, à arco troikiano português, que tem de se cumprir obrigatoriamente o memorando, ir mais longe para merecer credibilidade, ganhar a festinha dos credores e dos mandaretes do conluio neo-liberal (Merkel e seus anexos, Barroso e CE, BCE, FMI, o bando de economistas-comentadores portugueses, etc.), e, mais do que tudo, ter a oportunidade religiosa, de graça divina, de poder pôr em prática um projeto fanático, religioso-ideológico, de mudança da sociedade. Ser-lhes-há garantido lugar no paraíso à direita de Deus Pai. Primeiro lugar para Gaspar.
Não havendo sondagens recentes, vamos pelos últimos dados eleitorais: 80% dos portugueses, sendo eles gente honesta e julgando que a economia política - Salazar dixit - é transposição da economia doméstica, acha que é indiscutível o domínio troikiano.
Na Grécia, só são 15,5% que pensam assim.
Não há dúvida: “nós não somos gregos”!. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Bom homem ou homem bom?

O meu avô era mestre latinista e grande amigo de outro conhecedor, o injustamente esquecido poeta micaelense Armando Cortes-Rodrigues, de quem me lembro como se também avô meu fosse.  O seu filho Jorge (como o de Camilo) era uma criança grande e dizia-me sempre, na sua típica repetição de palavras. “tê avô, tê avô, ganda ponto, ganda ponto, vino bono, bono vino, vino bono, bono vino”.
Isto era coisa de divertimento dos dois grandes amigos, com muito gosto pela vida e muito humor no meio da sua grande seriedade, até religiosidade. Era nas provas da colheita anual do vinho do meu “avô” de Vila Franca. Os latinistas sabem que as muitas combinações dos casos declinados de vinum e de bonum resultam em significados muito diferentes, de que o Jorge não se apercebia.
Vem esta divagação a propósito de coisa bem mais simples, em português, a troca das palavras. Desde criança que sei o que é um “bom homem”. Conheci muitos, felizmente. Honestamente, creio que não me conto entre eles, com o grau considerável de aspereza, alguma sobranceria, irritabilidade e intolerância que tenho no meu feitio.
Ontem, a pensar num grande amigo, usei outra expressão: um “homem bom”. É outra coisa. Gostaria de me contar entre eles. Encontramo-los em todos os campos da vida, mas creio que é muito importante ter-se a dita - e o proveito - de os encontrar na política. Não quero ser maniqueista e pensar que homens bons só há num lado político. À direita, há certamente muita gente que se horroriza com ter de conviver com Miguel Relvas, e muita “esquerda” de um setor tradicional certamente também não pensa de Sócrates que ele é um homem bom.
No entanto, parece-me inegável que, em termos proporcionais, há ainda maior quantidade de homens bons na esquerda mais consequente, mais firme, mais coerente. Não é que a esquerda favoreça a educação de homens bons (mas também isto não é totalmente falso). É o contrário. Homens bons como eu conheci tantos nessa esquerda vivida e herdada da luta contra o salazarismo - muitos a serem levados já desta vida - estavam nessa luta porque, já antes, eram homens bons. Aqui fica a minha sincera e humilde homenagem a esses amigos. Perdoem-me destacar, pela importância que teve como compensação tardia de muitas frustrações políticas, os companheiros do MDP da época da sua alforria em relação ao controleirismo do PCP, na segunda metade da década de 80.
NOTA - Estranham que eu não defina o que é um "homem bom"? É que é daqueles casos de quase brincadeira de lógica: se o meu leitor sabe o que é um homem bom, dispensa que eu lhe explique. Se não sabe, não há nenhuma explicação possível que, no espaço de um ou dois parágrafos, retrate a complexidade de caráter, modo de ser, estar e proceder de um homem bom, na sua relação consigo próprio e com os outros. 
E é claro que não estou a pensar na velha ideia do “homem bom” proprietário, branco e cristão...

sábado, 14 de julho de 2012

Saudade

Perdi hoje um grande amigo, dos maiores, um camarada, um homem para todos os momentos.

Um camarada com quem tive uma grande divergência, sobre o destino final a dar ao nosso MDP, mas divergência embrulhada em sorrisos de muita amizade e na certeza de que cada um fazia pelo melhor.

Mas, mais importante, o País, a democracia, a esquerda, perderam um grande homem: Fernando Silveira Ramos. Saravá, meu amigo do peito! E, em relação a uma pessoa em que logo vem mais à ideia é a dimensão política, apetece-me dizer coisa que me é cada vez mais cara, com o passar dos anos e o desejo de que me venham a ver assim: era um homem bom.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Voltando a olhar para a universidade

Há muito tempo que não escrevo sobre o ensino superior (ou educação superior, como prefiro dizer). Faz-me falta, tenho saudades. Afinal, foi um campo de intervenção em que, modéstia à parte, creio que ganhei prestígio, fui seguido e respeitado, mostrei estudo e reflexão sobre a prática de muitos anos. Publiquei um livro que julgo ter tido algum impacto, recolhi num livro eletrónico e noutro muitas crónicas e comentários. Ao aceitar um contrato com uma universidade, achei que essa intervenção era geradora de conflito de interesses e suspendi-a.
Hoje, e adiante em tempos próximos, vou relembrar esses tempos, com uma ressalva: não escreverei sobre coisas concretas, tentarei olhar num plano de generalidade que não se misture com a minha atividade prática quotidiana e com os meus deveres contratuais, enquanto os tiver.
A minha escrita, interrompida há anos, desdobrava-se por um blogue, “Professorices” e por artigos no meu sítio. Começo hoje por duas entradas do blogue, que desejo relembrar porque mostram o que penso sobre a universidade, pública ou privada. Elas vêm transcritas (os “links” já não funcionam) num artigo, “Reforma universitária: da retórica às propostas práticas” que, provocadoramente, ao falar de “elite”, expõe o que então, e hoje, entendo por uma universidade de alto nível. É por tal universidade que luto a cada momento, onde julgo, pragmaticamente, que tenho possibilidades de maior sucesso - ou do sucesso possível, sejamos realistas.
Claro quer isto não tem nada a ver, diretamente, com público ou privado. Há entidades privadas que estão em melhores condições de cumprirem esses requisitos do que algumas universidades públicas, designadamente as pequenas universidades periféricas. O que define uma universidade de elite? Essencialmente, o que se segue:
  • Começo por uma coisa pomposa. Uma universidade de elite está sempre na fronteira do que a sociedade necessita como formações e educação. Hoje, é uma universidade com formações modernas, generalistas e de largo espectro, mais orientadas para a aquisição de competências, formadora de mentes e caracteres destacados, líderes sociais também impregnados de uma cultura de cidadania e de combate à exclusão.
  • Tanto professores como estudantes são impregnados de uma cultura de exigência e de alta qualidade, e que se rege por padrões estabelecidos em códigos de boas práticas.
  • Um código ético rigoroso: faltas deontológicas, fraude ou negligência científica, mentira, aldrabice nos exames, etc, são indesculpáveis por toda a comunidade e conduzem frequentemente à expulsão.
  • A cultura é acentuadamente "scholar": os professores não esgotam a sua função no ensino tradicional ou na orientação científica, são formadores e "mestres" (e, daí, os tutores).
  • Sem prejuízo de uma lógica empresarial de sustentabilidade económica, a universidade não é uma empresa com lógica de propriedade privada. É uma entidade de natureza fundacional ou comunitária, que responde perante a sociedade e não perante uma entidade proprietária.
  • A governação não está subordinada ao espírito corporativo, segue as normas de eficácia ditadas pelas teorias organizacionais e membros externos têm um papel essencial na definição de estratégias e politicas. A lógica nominatica domina a electiva, em função das competências, mas em compromisso eficaz com o debate interno e a participação na construção da opinião.
  • O ensino e a aprendizagem decorrem da criação científica, de alto nível. Não pode haver um professor que não seja também ou tenha sido um excelente investigador. A ciência é transmitida, no ensino, com o sentido de como se faz na prática, de como valorizar quase no momento as roturas científicas, mas também com o sentido crítico de como subalternizar muita ciência rotineira.
  • A actividade pedagógica e a científica estão intimamente articuladas, à escala do departamento, que é o principal nível de organização. O director de departamento, com audição dos colegas, tem grandes poderes. Por isto, é recrutado geralmente de fora da universidade, para não estar comprometido com as relações já estabelecidas.
  • Embora haja exceções bem sucedidas (“teaching universities”), não basta que os professores, a nível individual, investiguem em centros de excelência, fora da universidade. Deve haver um clima de ciência que só é possível com investigaçao de qualidade intra-muros.
  • O recrutamento é exigente em termos de qualidade, tanto de professores como de estudantes. Dirige-se a todo o mundo e é combatida a endogamia - e muito mais a nepótica. A progressão dos professores (repare-se que não falo de investigadores: não há separação, todos são professores-investigadores) é muito flexível e o mérito é recompensado. Quanto aos estudantes, a própria universidade reserva recursos significativos para bolsas a estudantes carenciados mas de alta qualidade.
  • O conteúdo funcional do cargo de professor integra todas as atividades de ensino, investigaçao e extensão, em tempo completo, não sendo admissível contratações "à hora", exceto em casos excecionais de colaboração de pessoas de grande mérito e com muita ocupação profissional (professores convidados).
  • A carga docente é muito reduzida. Por consequência, os rácios são muito baixos (1,8 em Harvard, 2,6 em Cambridge!). Entenda-se por rácio uma simples relação numérica, nunca um critério de recrutamento: os professores são recrutados casuisticamente, apenas em termos de qualidade ou de politica institucional (novas áreas científicas, desenvolvimento selectivo de grupos de investigação, etc.).
  • A relação numérica entre estudantes de pré e pós-graduação é de cerca de 1:1 (entre nós, nos melhores casos, é de 9:1). A formação dos doutorandos é exigente e completa, com ensino formal e acompanhamento estreito, não se limitando ao trabalho de tese.
  • Os percursos individuais dos estudantes são variados e flexíveis, correspondendo tanto quanto possível aos seus interesses culturais e científicos. Os estudantes de ciências têm que obter um certo número de créditos em humanidades e vice-versa.
  • A prática cultural e desportiva ocupa parte significativa da vida estudantil.
  • O estudante (excepto em cursos vincadamente profissionais) é habituado à ideia de que a sua formação é apenas uma base geral a abrir-lhe caminhos de empreendedorismo e de escolhas profissionais variadas.
  • A actividade de extensão, com grande prestígio social, é muito valorizada como factor de imagem da universidade como centro da vida cultural comunitária. Até chega a ser "snob" para a alta sociedade frequentar os cursos nocturnos de Harvard e os cursos de verão de Cambridge e Oxford, os concertos, os espectáculos de teatro ou as exposições de arte de alunos e professores.
  • Finalmente, e condição indispensável: com tudo isto, e em ciclo vicioso, a universidade tem que ter grande capacidade de "fund raising", com grande recurso ao mecenato, com destaque para os antigos alunos (vale imenso a noção de "alma mater", pouco significativa entre nós). Há antigos alunos de Harvard que, todos os anos, vão da Califórnia a Boston para a sessão solene da sua universidade.
Depois, no meu sítio “Reformar a educação superior”, passei isto para Portugal, para não me chamarem utópico, adiantando propostas concretas, aqui e aqui, de criação de uma hipotética Universidade de Lisboa Oriental (houve quem acreditasse que eu estava encarregado de a criar…). Vale a pena reler, meia dúzia de anos depois? Que o digam os leitores.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O currículo de Relvas

Declaração de interesses: sou professor e membro da reitoria da Universidade Lusófona, embora alheio a este processo.
Portanto, vou só referir-me a um aspeto marginal (sem relação direta com o caso em foco), tal como hoje noticiado. No currículo do candidato a licenciado, figuram funções políticas, funções partidárias e atividades privadas. Estas parecem-me surpreendentes. 
Consultor da Sociedade Barrocas, Sarmento e Neves, SA; consultor do Grupo SGS – Societé Générale de Surveillance; consultor da ROOF; administrador da Prointec; vice-presidente e membro do Conselho Geral do Instituto Progresso e Social-democracia Francisco Sá Carneiro; director da revista "Templários-Turismo".
A Sociedade Barrocas, Sarmento e Neves é uma conhecida e antiga firma de advogados. Como pode ser consultor de uma firma de advogados um político que só tem uma disciplina feita do curso de direito? Ou se é na sua qualidade de político, que consultas dá? Sobre relações entre políticos e advogados, sobre oportunidades de encomendas de legislação? Que promiscuidade! 
E que qualificação tem para ser “consultor” de uma empresa de segurança, de uma imobiliária ou administrador de uma empresa de inovação tecnológica? Esta mistura de política e negócios desta geração partidária feita à pressa, sem valores, oportunista, servindo-se mas para isso servindo outros, é um veneno para a democracia. “E não se pode exterminá-la?”...

NOTA - Algum leitor menos cuidadoso, depois de ver a minha declaração de interesses, poderá pensar que obtive estes dados curriculares do processo do aluno. Não conheço o processo. Obtive-os, como se vê pelo "link", de uma notícia de jornal.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Aviso

Por razões que mais alto se alevantam, estarei de escrita condicionada durante uma semana. Irei tomando notas para futuras entradas.