quinta-feira, 28 de julho de 2011

Citações

As coisas não estão muito melhor [JVC - em comparação com os EUA ...] na Europa. A Grécia e outros defrontam-se com a crise, enquanto que o remédio du jour é simplesmente o desperdício de tempo de pacotes de austeridade e privatizações, que deixarão os que por aí forem cada vez mais pobres e mais vulneráveis. Este remédio falhou no Extremo oriente, na América latina e em toda outra parte e falhará também na Europa. De facto, já está a falhar na Irlanda, na Letónia e na Grécia.
Há uma alternativa: uma estratégia de crescimento económico, apoiada pela União Europeia e o FMI. O crescimento restaurará a confiança em que a Grécia pagará a sua dívida, o que causará a descida das taxas de juro e deixará lugar para mais investimentos no crescimento. O crescimento, por si próprio, aumenta a receita fiscal e reduz a despesa social, nomeadamente o subsídio de desemprego. E a confiança que isto causa leva a ainda maior crescimento.
Joseph E. Stiglitz, professor da Columbia University, Prémio Nobel da Economia (e, a ver-se o que por cá se escreve, um perigoso comunista, a coisa que mais há nas universidades americanas, McCarthy tinha razão…), em Project Syndicate.
Os acontecimentos nos mercados europeus da dívida não estão a dar grandes títulos [JVC - nos EUA]. Mas deviam: mesmo com o GOP [JVC - “Great old party”, o Partido republicano] a fazer o máximo para destruir o crédito da América, as coisas estão a partir-se em cacos no outro lado do Atlântico. 
O “spread” das taxas de juro entre os títulos italianos e alemães é agora ainda maior do que antes do grande plano europeu de resgate [JVC - da cimeira de 21.7]. Dado que o objetivo desse plano era, antes do mais e essencialmente, acalmar os mercados antes que a Itália e a Espanha se afundassem em espirais de dívida auto-alimentada, estas são mesmo muito más notícias.
Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton, Prémio Nobel da Economia, outro tenebroso comunista, em crónica no New York Times.
Llama la atención que se repita sin cesar la obviedad de que España no es Grecia. (…) Las diferencias y las similitudes macroeconómicas son significativas solo incardinadas en los distintos modelos productivos, incluyendo las peculiaridades sociales, políticas y culturales. De ahí que sea sumamente arriesgado comparar países, pero el que se insista tanto en lo diferentes que son España y Grecia y se omitan semejanzas bastante estridentes, nos alerta de que tal vez se quiera encubrir coincidencias relevantes.
Ignacio Sotelo, professor catedrático de Sociologia, El País, 22.7.2011.
Porém, a fé inabalável na ideia de que "a oferta gera a sua procura" sustenta um grupo de economistas académicos na defesa intransigente de uma ideia-chave: executando bem o Memorando, o país acabará por resolver o seu problema de endividamento público e privado. Em estado de negação, não se dão conta de que a economia portuguesa está a liquidar as bases do seu potencial de crescimento através do desemprego maciço, cada vez mais de longa duração e sem apoio social, e da emigração de jovens qualificados. Para estes formatadores da opinião pública pouco importa que até a insuspeita revista "The Economist" publique um artigo onde são referidos estudos recentes demolidores da ideia de que "austeridade com reformas estruturais" gera crescimento económico. Um dia estes académicos deviam ser responsabilizados pela caução que deram à política desastrosa que nos vendem como inevitável. 
Jorge Bateira, economista, Jornal “I”, 28.7.2011.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O povo está zangado

Horas depois, quando escrevo, ainda estou sob o efeito de um programa televisivo de hoje de manhã, um daqueles com participação do público. O tema era os “jobs for the boys”, a propósito das nomeações para a Caixa. Mesmo sabendo que estes programas são manipuláveis, fiquei impressionado.
O povo está zangado!
A grande maioria dos participantes declarava-se eleitor do PSD em Junho passado, na maioria dos casos porque queria mudar, estava farta do Sócrates. Não me parece que seja atitude inesperada, nas últimas eleições. Estavam hoje revoltados. Ao fim de um mês, já dizem que foram enganados, que este governo é igual ou pior. As pessoas estão zangadas, é natural, mas isto turva-lhes a lucidez.
Só assim se compreende que eu hoje tenha ouvido essas pessoas, que votaram à direita, que engoliram as obrigações para com a “troika”, que se deixam esmifrar porque são gente honesta e vêem a política como se fosse coisa de honestidade doméstica, porque detestam a ideia de poderem ser acusados de caloteiros. Que todas essas pessoas, dizia, proclamem coisas espantosas.
Imagina-se gente anónima que votou à direita vir hoje dizer, como eu ouvi, que o que devia ser feito era outro cerco à AR, com sequestro dos deputados? Que devia ser já votada uma moção de censura ao governo? Que se devia nacionalizar já toda a banca “parasita”? Que se houver uma manifestação vou para a rua, desde que não partam montras nem queimem carros? Ouvi mesmo, e muito mais.
O povo está zangado!
No entanto, também ouvi coisas preocupantes. Que no salazarismo estávamos melhor. Que os partidos são todos iguais. Que a política é toda a mesma m… Que nunca mais vou votar. Que já não acredito em nada. Etc.


Este niilismo político, que compreendo, é perigoso.Foi esta depressão da democracia que sempre abriu a porta aos fascismos. E nem nos tranquilizemos com não se ver ameaça. Há sempre um "big brother" à espreita. 
A democracia, triste, melancólica, deprimida, está a precisar de grande dose de Prozac. Mas remédio só alivia, não cura. Curar, renovar a democracia é coisa que eu, velho com quarenta anos de passado de esperança na democracia real, gostava de ainda ver em vida. E em vida útil, em que eu possa contribuir com qualquer coisinha.
O povo está zangado! Mas a minha esquerda está defrontada com o desafio histórico de oferecer a este povo zangado uma alternativa que, eles manipulados, afogados em preconceitos, não conseguem ver nessa esquerda. Têm culpa? Claro que não, são vítimas, cumpre-nos elucidá-los.
Ah, grande Gramsci, o único que soube ler Marx e percebeu que a estrutura, esquemas reduzidos a nível leninista, pode bem ser vencida dialeticamente pela superestrutura, quando ganha a hegemonia. Desculpem lá esta coisa pretensiosa, mas é que esta entrada não é lida só pelo povo zangado.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A maioria tem razão? (III)

Quando escrevi que ia concluir esta série de entradas com a discussão das alternativas, estava a pensar muito principalmente em termos de política interna e das escolhas que o eleitorado fez nas últimas eleições. Como tenho dito, essencialmente sim ou não em relação ao acordo com a “troika”. Todavia, não se esqueça que a divisão interna também tem muito a ver com a posição em relação à política europeia. Mas alguém se lembra de ter havido alguma discussão sobre a política europeia e sobre a política portuguesa na arena europeia que tivesse influenciado minimamente a tal “maioria que tem razão”?
Ia só dar algum relevo muito marginal a este tema, mas ele hoje avulta, no contexto de uma vertiginosa, acrobática e surrealista mudança a que se tem assistido ultimamente, culminando na cimeira da última semana. Por isto, ainda antes do encerramento, um imprevisto capítulo - e, desculpem, forçosamente longo - sobre o voto da maioria no contexto europeu.
“A maioria tem sempre razão”, logo os partidos que conquistaram essa maioria têm “obviamente” razão. Insisto: democraticamente, têm razão para aplicarem a política sufragada pela maioria, mas isto não quer dizer que ela seja a política acertada e que o critério de certo ou errado, cientificamente, seja o da maioria de votos. Até, se fosse assim, nem era preciso haver campeonato de futebol. Votava-se no princípio e o clube vencedor da eleição, com mais simpatizantes, era campeão.
Em Junho, nas eleições, os eleitores confrontaram-se com a posição minoritária do “não”, que rejeitaram por larga maioria, e a posição “oficial” de troika interna às ordens da externa: temos de pagar as dívidas como pessoas de bem; somos todos responsáveis e ninguém discute o que é “dívida odiosa”; o que será de nós sem os nossos bancos; vamos pagar juros altos, agiotas, porque nos portámos mal e os contribuintes alemães não têm a culpa; se não cumprirmos, os mercados nervosos e as agências de “rating” caem-nos em cima (mas quando a Moody’s nos caiu em cima, estritamente segundo essas tais regras que a maioria aceita, foi um coro “patriótico” só comparável ao caso de o Mourinho se naturalizar espanhol).
Todo este discurso tinha como base a “certeza” de que a UE tinha definido um conjunto de regras inflexíveis, um dogma, que condicionava a “ajuda” (!) aos periféricos mal comportados. Era uma autêntica filosofia político-económica da UE, religiosamente acatada, mas que já muita gente considerava irrealista e mesmo anunciadamente suicida para o euro: juros castigadores, para servirem de exemplo a esses mal comportados do lixo (oh gente, quem nos acha lixo são mesmo os alemães e amigos!); empréstimos do BCE só com garantia de “colaterais” bem cotados pelas agências de “rating”; impossibilidade de emissão de dívida europeia trans-nacional ou mutualizada (“eurobonds”); proibição de o fundo de resgate (FEEF) comprar dívida dos países em dificuldades; inimaginabilidade de taxas sobre os movimentos de capitais (ou taxa Tobin, quando envolvendo câmbio); poupar absolutamente os bancos credores a riscos, antes os apoiar e recapitalizar; inaceitabilidade de qualquer forma, mesmo que muito atenuada, de incumprimento da dívida; etc.
Alguém votou nas trindades, interna e externa, pensando ou sendo alertado para que estes pressupostos podiam não ser assim tão definitivos e que, portanto, a obrigação "patriótica" de nos vergarmos ao acordo podia ter muita flexibilidade? Que então talvez não houvesse assim tanta abismal diferença entre o “sim” e o “não”? Que a horrorosa reestruturação até podia vir a ser relativamente aceitável pela senhora prussiana? A maioria tem sempre razão, mesmo quando é assim tão descaradamente condicionada e desinformada? E, afinal, foi isto que se viu começar-se a passar, uma mudança considerável do contexto, embora o governo mantenha que nada mudou na obrigação de sermos atentos, veneradores e obrigados.
A crónica das piruetas das últimos dois meses é extensíssima. Vou tentar apenas fazer um resumo.
Já é admitido pelos economistas e políticos mais ortodoxos (até ouvi João Duque em Portugal) que a Grécia está mais afogada em dívida e em impossibilidade de cumprimento ao fim de um ano de ”ajuda” do que antes. Como nos vai acontecer (ah, mas Portugal não é a Grécia! De certeza?). Apesar de a Grécia não estar a ir ao mercado primário, o mercado secundário continua a aumentar aceleradamente os juros. Já está hoje a mais de 40% (!) para as maturidades a 2 anos, nós a 25% (na nossa idade média, um judeu era enforcado por usura com juros a metade disto). É evidente que a Grécia não pode ir ao mercado no fim do resgate e que este tem de ser prolongado. 

A pressão dos mercados é igualmente forte sobre Portugal e a Irlanda. Mais recentemente, sobre a Espanha e principalmente a Itália. Efeito dominó, mesmo que a Espanha diga que não é Portugal, que a França venha a dizer que não é a Espanha e finalmente a Alemanha a dizer que não é a França, e, a rirem-se, os ingleses com a sua libra esterlina! O euro está em risco, a Europa rica modera a sua arrogância porque os seus bancos começam a tremer. Os credores começam a pensar que mais vale conseguirem 50% do que 0%. Os governantes-governados começam a curvar-se.
Dia 29.5 - O governo grego e a oposição não chegam a acordo, o que era a exigência da “troika” para fornecer a fatia seguinte do empréstimo.
31.5 - Pela primeira vez, pela voz de J. C. Juncker, presidente do Eurogrupo, põe-se a hipótese de participação dos credores no resgate das dívidas, especificamente da grega. Mais surpreendentemente, fala na aceitabilidade de uma “reestruturação suave” (?) ao nível menos drástico, o da dilatação dos prazos de maturidade (“reprofiling”). Começam as divergências e o edifício neoliberal europeu a abrir rachas: o BCE declara-se frontalmente contra qualquer coisa que pareça reestruturação e considera um “conto de fadas” a participação dos credores. Consta que vários governos apoiam Juncker - ou ele falou por eles - e começam a preparar essa hipótese, falando-se principalmente do grupo alemão (Alemanha, Holanda, Áustria, Finlândia).
1.6 - O Ecofin discute a participação dos privados, estimando-a em 10-15 mM€ (mil milhões de euros) e fala-se num “espírito” da iniciativa de Viena, de 2009, que apoiou a banca dos países de leste. Volta a discutir-se o reescalonamento das maturidades e a renegociação da renovação de contratos.
2.6 - Trichet e Constâncio admitem que o euro será uma construção frágil sem governo económico europeu e propõem a criação de um ministro europeu das Finanças.
4.6 - Greve geral e grandes manifestações na Grécia.
4.6 - O governo grego vê aprovado um novo plano de maior austeridade e de privatizações. Prevê-se um corte de 6400 mM€, a agravar os já 20% de redução dos salários no último ano e o crescimento galopante do desemprego. Com isto, a “troika” descongela a fatia em falta do empréstimo.
11.6 - O parlamento alemão exige que os títulos gregos a vencer (80-90 mM€ até 2014) tenham de ser trocados por títulos a 7 anos. É a primeira afirmação oficial de reescalonamento, até então um tabu.
13.6 - É transferida para a Grécia a fatia de 12 mM€ sem a qual o país entrava em incumprimento imediato.
13.6 - O comissário Rehn alerta para a fragilidade da banca europeia como possível coparticipante dos resgates.
14.6 - A Standard&Poor’s prevê o incumprimento pela Grécia e baixa a notação para 1 nível só acima da falência.
14.6 - Os governos do grupo alemão e o BCE divergem publicamente em relação ao envolvimento dos credores nos resgates, defendidos pelos governos como forma de satisfazerem o eleitorado, cada vez mais egoísta e xenófobo, mostrando-lhes que não são só os contribuintes a pagarem as “culpas” dos periféricos. O que não dizem é que tanto contribuintes como credores lucraram muito com a dívida dos mal comportados.
18.6 - J. C. Juncker alerta para o forte risco de contágio da Itália e da Bélgica.
11.7 - Paul de Grawe, economista reputado, acusa o BCE de ser o maior fator de instabilidade dos mercados e considera que, se o plano para a Grécia não incluir a emissão de títulos europeus (“eurobonds”), o euro está condenado. Por esses dias, a crise do euro é discutida de forma convergente por grandes financeiros como Soros, economistas como Krugman, Galbraith ou Stiglitz, editorialistas do Finantial Times ou do The Economist. Com Roubini, o “profeta” da crise, todos defendem a “reestruturação ordenada” da dívida grega (e já começam a falar de Portugal).
13.7 - Notícias diversas acerca de pressões de governos europeus sobre o governo grego para que este reestruture a dívida (diriam os nossos eleitores maioritários: que seja caloteiro!).
13.7 - Sobem consideravelmente os juros das dívidas italiana e espanhola e a Europa treme com a ameaça a grandes economias irresgatáveis, não pequenos países periféricos. Portugal vai a 20% de juros na dívida a 3 anos. A Moody’s desce as notações das dívidas de Portugal e da Irlanda para Ba2 e Ba1, “lixo” (claro que um país não é lixo, não tem notação, a sua dívida é que tem).
14.7 - O BCE, representado cada vez mais a ortodoxia financeira europeia, até contra alguns sinais de flexibilização dos governos, considera que a participação dos credores será “uma explosão de crise bancária na Europa”. As agências de "rating" dizem que equipararão isso a incumprimento.
18.7 - Kohl declara que “ela [Merkel] está a destruir a minha Europa”.
20.7 - Obama pressiona Merkel para que esta se esforce para a resolução da crise do euro, que ameaça uma crise mundial. Merkel e Sarkozy reúnem-se em privado, na véspera da cimeira.
20.7 - O BCE atenua subitamente a sua posição rígida, na véspera da cimeira. O seu economista chefe defende que o FEEF possa ir aos mercados comprar dívida grega.
21.7 - Antes da cimeira, os bancos, que nos dias anteriores se tinham reunido - com destaque para os bancos franceses e alemães - fazem saber da sua disponibilidade para suportar perdas ”razoáveis”. Segundo o Spiegel, tal podia chegar a 50% de perda do valor da dívida.
21.7 - O BCE cede mais e anuncia que não continuará a exigir títulos de notação máxima como “colaterais” para empréstimos aos bancos.
21.7 - A cimeira concede à Grécia um novo empréstimo, de 109 mM€, a que se somam 37 mM€ de contribuição da banca, baixa a taxa de juro para 3,5% (a do FMI), maturidade de 15 anos (o dobro da atual) e aceita que o FEEF compre dívida - por agora só grega - no mercado primário e secundário e que financie a recapitalização de bancos. Reorienta os fundos europeus para o crescimento, a competitividade, formação e criação de emprego. Mas, aspeto crítico, continua excluída a emissão de “eurobonds” e nada se avança para o reforço orçamental e o governo económico, a não ser a intenção de voltar a discutir em 2012. A decisão quanto aos credores é um compromisso: o BCE cede na sua rejeição total dessa medida, a Alemanha cede aceitando que seja uma participação voluntária.
21.7 - No fim da cimeira, Sarkozy declara que as medidas (exceto a redução dos juros) só se aplicam à Grécia e que Portugal e a Irlanda garantiram que não reestruturarão as suas dívidas.
Tudo isto mostra uma coisa muito simples. O euro é vital para os países ricos europeus, que tudo farão para o salvar, mesmo tendo de engolir todas as juras e dogmas arrogantemente impostos aos mais fracos, mesmo sabendo que, quanto às tais garantias de Portugal e da Irlanda, logo se verá. Se ficarmos à beira da falência, são os ricos que nos vêm pedir para reestruturar, para sermos “caloteiros”. Nessa altura, os 80% vão mesmo sentir-se postumamente enganados por aqueles em quem votaram agora. Os gregos mostraram agora que vale a pena dizer não, encher a Sintagma e as avenidas de Atenas e sem o governo pôr excesso de zelo no já gravíssimo cumprimento do seu acordo com a "troika". 
E depois disto tudo, o que mudou em Portugal? Governo, imprensa, opinadores, compreensivelmente o homem da rua, a maioria de 80%, continuam a esquecer ou a fingir esquecer que a política de austeridade que nos impõem só é irremediável enquanto quisermos, que o quadro europeu em que nos submetemos à santa trindade está a mudar e tem brechas pelas quais podemos penetrar, principalmente se conseguirmos uma aliança eficaz com os outros periféricos, claro que com a Espanha e mesmo a Itália ou a Bélgica. A “Europa connosco” já começou a ver que o euro que os faz ricos precisa de todos, também de nós importadores e em boa parte por isso devedores. Quando (não é “se”!) chegarmos à situação grega atual, não nos podem deixar cair. 
O que será triste é, nessa altura, provavelmente se ver muita gente a fazer vénias de agradecimento por tanta generosidade.  Descontando algum exagero da comparação com este caso, “… também dos Portugueses / Alguns tredores houve algumas vezes.” (L., canto IV, 33).
NOTA - Todas as informações são de notícias de jornais do dia, mais frequentemente do Público. Podem ser consultadas na edição do dia respetivo, mas vou tentar colocar ligações, o mais brevemente possível.

P. S., 26-7 - E até Fernando Ulrich, CEO do BPI, vem hoje dizer que o esquema da "troika" em relação aos bancos se baseia numa "crença, numa fé", mas que "é caminho para problemas maiores". O navio, o naufrágio e os ratos...

domingo, 17 de julho de 2011

A “ajuda” é bom negócio

Estou atrasado na prometida conclusão da série de entradas “A maioria tem razão?”. É que, dia-a-dia, aquilo que eu queria discutir, as alternativas ao que a maioria aceita piedosamente, está a mudar, com a frente ideológica do neoliberalismo e da conceção germanocêntrica da Europa a alterar-se aceleradamente. Vejam só o que se segue, recolhido hoje no DN:
“Os resgates das dívidas de Portugal e da Irlanda têm sido um bom negócio para os países que lhes concederam garantias. Até hoje, só houve ganhos para os alemães, porque recebemos da Irlanda e de Portugal juros acima dos refinanciamentos que fizemos, e a diferença reverte a favor do orçamento alemão". (…) É o prémio pelas garantias que a Alemanha, dá, só que os contribuintes alemães não acreditam".
Quem foi o perigoso anti-europeu ou economista heterodoxo que disse isto? Chama-se Klaus Regling, é alemão e  presidente do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). Diria, sem ofensa aos bichos, que os ratos estão a sair deste navio que a comandanta prussiana - ou coisa de leste que a valha - teima em atirar contra as rochas, enquanto que os oficiais subalternos, a começar por Barroso, ouvem a orquestra de bordo tocar a “Ramona”.
E Regling até dissipou receios de que a situação se altere, se Dublin e Lisboa deixarem de poder pagar as suas dívidas, incluindo os juros (omite Atenas, porque obviamente, para ele, já não é caso de “se”). Se os países devedores deixarem de pagar os juros, os ricos vão pedir o dinheiro a quem deu garantias. Afirmou também que o FEEF não tem tido dificuldade em conseguir os fundos para os resgates. "Os investidores asiáticos compraram cerca de 40 por cento dos títulos, nas três emissões que fizemos". A juros que não conhecemos mas que, como diz Regling, são inferiores aos que pagamos pelo empréstimo do FEEF. 

E lembram-se de que os juros exigidos pelo FEEF e pelo BCE são consideravelmente mais altos do que os do execrado FMI? É que este não tem por objetivo, à alemã, ganhar sem baixas as guerras que perdeu antes. Sabem também que, quando foi perdoada à RFA a dívida das indemnizações de guerra, só houve um país que protestou e pretendeu ir para os tribunais internacionais? Ironia do destino, a Grécia!
A senhora que se cuide, porque este homem é bem capaz de a apear. É muito mais hábil politicamente, sabe convencer melhor os eleitores alemães, que na prática andam a ser afagados pela senhora no seu egoísmo xenófobo.
Com tudo isto, um dia destes, os 80% de eleitores portugueses que encarreiraram na solução única vão ficar confusos, porque a "realpolitik" - que, com os "diktats" dos banqueiros, acaba sempre por vencer o esquematismo ideológico - vai abalar essa certeza e, mesmo que mantendo ou acrescendo o seu caráter errático, vai-lhes mostrar que afinal há muitas outras soluções. Então, vão começar a perguntar se era mesmo preciso pagar meio subsídio de Natal, coisa que a hegemonia dos fazedores de opinião ainda não lhes permite entrar nas cabeças, mas logo veremos. 
Será que daqui a alguns meses ainda ouvirei, como hoje, gente da rua a responder “custa muito, não vai haver prendas, mas que se há-de fazer, é a única forma de ajudarmos o nosso país”?
(Foto do DN)

P. S. - Acaba de me escrever uma pessoa inteligente, interessada mas, para todos os efeitos, exemplo de "homem da rua". Votou regularmente num partido do sistema, zangou-se, votou agora no outro. E pergunta-me "quer que eu vote no PCP ou no BE?". Triste situação a que chegou a esquerda portuguesa, com tal clivagem deslocada, porque devia ser entre o PS aliado no seu campo natural (?) e o conjunto PSD-CDS. No entanto, há ainda uma hipótese. Votar branco. É um voto com grande significado político, embora sem efeitos institucionais. Há gente muito minha querida que vota assim.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Merda! Sou lúcido

Já não sei o que dizer em relação a esta unanimidade patriótica em relação à pérfida Albion-Moody. A direita está maravilhada com esta desculpa que arranjou para começar a corrigir, de acordo com os factos cada vez mais indesmentíveis, as coisas avassaladas que dizia sobre os mercados, a sua infalibilidade, a sua nova natureza divina, a ordem natural das coisas.
Alguma esquerda está a embarcar. Alguma esquerda institucional, convencional, partidária. Bastante mais a “esquerda” inconvencional, a da nova intervenção, da net. A que hoje me propõe eu gastar uma data de tempo a bombardear daqui deste torrão o site da Moody’s, um couraçado em que o que fizermos é cagadela de mosca. A que até leva a sério a minha blague de ir outra vez ao Camões vestir de crepes pretos a estátua.
Tudo isto é ridículo, tudo isto é “déja vu”, cheira a avental republicano em revolta de indignação virtuosa contra o ultimato. Atenção, eu prezo a indignação transcendente de tragédia grega ou de escrito bíblico, mas não há maior ridículo do que a “indignação virtuosa”. Porque lhe falta o essencial para a grandeza, segundo Álvaro de Campos, “Merda! Sou lúcido”.
E cheira a história triste para a esquerda histórica. O fervor “patriótico” é forma de “panem et circenses" atirado à plebe pelos dominantes, que nunca tiveram patriotismo. Qual é o patriotismo da nossa banca que foi, em última causa, a desencadeadora do resgate?
O caso mais manifesto, porque já então havia uma forte corrente de internacionalismo de classe, foi o da Grande Guerra, 1914-18. A Internacional dividiu-se, o imperialismo pôs os povos uns contra os outros, morreram milhões - também muitos portugueses - nas trincheiras, sabiam eles lá porquê. No entanto, quantas coisas bonitas ainda hoje podemos ler de escritos políticos a apelar para a fraternidade dos povos, até apelos conjuntos dos socialistas franceses e alemães? E a luta contra a “união sagrada”, a conferência de Zimmerwald, etc.? Também Lenine, que até nem teve rebuço em usar um comboio alemão para chegar à Rússia prenhe da revolução.
Até há pouco, eu descria da frente de luta europeia. Achava que o europeismo “de esquerda” era utópico. Começo a duvidar, nunca pensei ver a Itália atacada pelos predadores financeiros. Nunca tinha imaginado o que pode ser o efeito da sargenta dizer que telefonou para Roma e lá lhe disseram que sim. Viva a RDA, que tais alemães gerou!

Acho que o sistema europeu, político e económico, está a abrir tais brechas que mesmo os seus medíocres dirigentes, Barroso, Trichet, Merkel, sentem que as pernas se estão a afastar para um lado e outro da falha sísmica e há qualquer coisa no meio que vai cair no buraco (duvidoso no caso Merkel…). Neste sentido, é essencial afirmar-se um coerente e eficaz internacionalismo europeu.
O nacionalismo patrioteiro e ridículo que estamos a ver não ajuda nada à formação deste necessário espírito internacionalista europeu. E lembram-se de que escrevi isto, “Escrever à esquerda, hoje”, a primeira entrada deste blogue, sobre a necessidade de ultrapassar o discurso político pequeninamente português?

NOTA - Anda por aí todo o tuga vivaço, especialista da net, a gabar-se de ter bloqueado o "site" da Moody's. Fácil de ver, chamam de Portugal essa página e ela não responde. Porquê? Porque tudo o que conseguiram foi bloquear o acesso ao "site" dos computadores, como o meu, que têm um endereço (IP) português! Ainda por cima, como a coisa foi anunciada, estilo guerra do Solnado, a Moody's defendeu-se e bloqueou o acesso aos tontos atacantes. Eu às vezes tenho mesmo vergonha de ser português!

E outra NOTA - Se eu fosse um truta da Moody's, estaria a partir-me de gozo a ler as tiradas patrióticas que lhes estamos a mandar. O que é chato é que não gosto nada que gozem comigo como esse tal gajo ignoto está a gozar. Mas neste caso não consigo fazer nada contra isto porque toda a gente alimenta esse gozo contra mim.

sábado, 9 de julho de 2011

Contra as agências, marchar, marchar...

Com todo o coro patrioteiro, unanimemente juntando azeite e vinagre, descobrindo agora que é intolerável esta perversão de capitalismo financeiro desregulado (sabem finalmente o que é o neoliberalismo?) de uma agência privada mandar em estados soberanos (somos mesmo soberanos?), descobrindo agora o que os marginais esquerdistas terríveis e lunáticos vêm a dizer há anos, com tudo isto, dizia, eu esquerdista lunático sinto-me no direito de não me embrulhar na bandeira, não acordar a cantar o hino, não ir envolver o Camões em crepes negros. Meninos, têm o que merecem!

A agência está a fazer batota, está a manipular, está a aldrabar, está a satisfazer interesses ocultos, não tenho dúvidas. Está a fazer aquilo para que nasceu, está a cumprir a sua natureza. Agora vós, políticos, banqueiros, jornalistas económicos, economistas de serviço, novos "indignados", não tendes estado a fazer exatamente o mesmo com o povo português? Não será também esta a vossa natureza? Vão...

Que a ANA indignada rescinda o seu contrato com a Moody's, que o PR descubra agora que afinal não compensa manter os mercados calmos e sem histerias de meninas púberes, que os nossos banqueiros estejam virtuosamente indignados, que Ribeiro e Castro ponha a Moody's em tribunal (quando José Reis e outros foram ridicularizados por o fazerem, há tempos), que Jardim proíba esses americanos de entrarem na Madeira, tudo isto é folclore ridículo, mas triste porque hipócrita.

Faz-me pena é ver gente lúcida a embarcar nesta histeria. E a escrever coisas emotivas, irrefletidas, sem sentido. Por exemplo, hoje, no Público, São José Almeida com uma longa diatribe porque a Moody's nos ofendeu, chamando lixo a Portugal. "Um país, uma nação, uma comunidade unida por factores comuns como a língua, a história, a cultura, por aquilo que se convencionou chamar a unidade nacional de uma população, é lixo? Será que aceitamos todos ser atirados para o caixote do lixo? Eu, por mim, não!" Haja calma, quem é que está a atirar para o lixo SJA, a menos que ela se vista com títulos do tesouro?

Que se diga que a Moody's atacou a economia portuguesa, que foi desonesta e manipuladora, são argumentos a provar mas com sentido. Agora já chegarmos à ofensa ao país, terem chamado lixo a "esta ditosa pátria minha amada", é mesmo de republicanismo serôdio. O que a agência considerou lixo (e mesmo assim descontando-se que é jargão, menos ofensivo do que o PIGS estilo UE com que ninguém se indigna - ou não sabem inglês?), lixo, dizia, são os títulos de dívida pública e privada portuguesa. E são, ou pedir 19% de juros por eles (a três anos, números de anteontem) não é decisão do infalível mercado?

Nunca ninguém disse que Portugal era lixo! Se eu ler no FT (e li) que um primeiro ministro português era lixo (ou qualquer coisa tão mal cheirosa como isto) vou ficar indignado porque estão a chamar lixo ao meu país?

Quando as pessoas perdem serenidade numa discussão, fazem ruir todos os seus bons e legítimos argumentos.

NOTA - A propósito de juros de 19% (e os da Grécia já vão em 30%, como nós também veremos daqui a um ano), pergunto aos meus amigos e conhecidos de formação judaico-cristã e que vêem - bem - as coisas pelo lado moral, daí que seja muito feio reestruturarmos a dívida e sermos caloteiros: - Qual é o valor de juros acima dos quais é pecado nefando, pecado do diabo Mammon, ser-se avarento, agiota, usurário, segundo os ensinamentos religiosos e mesmo as leis e costumes das nossas sociedades medieviais?

P. S. (11.7.2011) - E não é que um leitor, como vejo por mensagem que recebi, levou mesmo a sério essa dos crepes na estátua do Camões, pondo-me alguns problemas de ordem logística e organizativa em relação a tão patriótica ação? "Ó meninos!", como diria o João da Ega. Voltámos ao passado ou vivemos sempre no passado? Contra o ultimato, vestir de preto o Camões. Ó pérfida Albion! Devolvamos as condecorações (mas guardemos os estrelinos). Contra os canhões, marchar, marchar. Já não será tempo de finalmente apanhar o elétrico (o americano), mesmo perdendo o paio com ervilhas, que ferro, já me vinha a apetecer desde Paris?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Há quem diz não


Apesar de eu não gostar da hipocrisia patrioteira que denunciei ontem em relação ao "murro no estômago" da Moody's, há males que vêm por bem. Esta história triste mas inteiramente lógica e previsível parece que deu alibi a muita gente para começar a desmontar um pouco este edifício "sólido" do neoliberalismo, do domínio do capital financeiro, da mediocridade da governação europeia. Afinal, não se podendo isolar do conjunto "lógico" o papel das agências de "rating", começa a duvidar-se dessa lógica de sistema. Logo a seguir, virá como consequência o que se adivinha mas que ainda não conseguem confessar, que a receita "troikiana", sua consequência, é um embuste.

Elogie-se José Gomes Ferreira por ir até essa consequência, dizer que este episódio prova que Portugal não vai conseguir voltar ao mercado, que o império financeiro do "lado negro" condena ao fracasso qualquer plano de resgate segundo a mentalidade de Barrosos e quejandos, que saem bastante maltratados deste comentário em vídeo. Mas, por extensão, também, Merkel, Sarkosy, Trichet, Passos Coelho, Sócrates, toda a cambada de medíocres que se apossou da Europa. Desde que o maior e inicial de todos os medíocres, Tony Blair, resolveu jogar no tabuleiro de um jogo com regras de alguém que, apesar de tudo, lhe era muito superior, a execrável Sra Thatcher.

Churchill, De Gaulle, Adenauer, Monet, Schumann, depois Brandt, Kohl, Miterrand, Palm, Delors, Gonzalez, com muitos não tenho afinidade política, mas ao menos eram expoentes da intelectualidade política europeia.  Isto faz-me lembrar que todos conhecemos os césares gloriosos mas ninguém recorda o nome dos imperadores que prepararam de facto a queda do império romano. E com ela a época das trevas...

Carta da Grécia

Há dias, perguntando se “Nós não somos gregos?”, reproduzi algumas coisas que gente séria anda a difundir por aí, até porque uma senhora jornalista, tendo levado para Atenas esse “trabalho de casa”, as reenviou de lá em noticiário. Tresandam a desinformação, mas enviei para comentário de amizade grega o tal parágrafo:
“Um hospital de Atenas emprega 45 jardineiros para cuidar de quatro palmeiras. Os cabeleireiros são considerados como profissão de risco, com a possibilidade de se aposentarem aos 40 anos (com reforma por inteiro). Mais de 25% dos gregos não pagam impostos. As filhas de funcionários públicos que morrem, recebem pensão vitalícia de € 1000, etc.”
Aqui vai a resposta. Lamento que em inglês, mas prometo traduzir logo que tenha tempo. Com esta resposta, respondo à tal minha pergunta: eu também sou grego.
While there is some truth in some of those statements, at the same time there is huge misinformation that borders mythology! Claims such as "A hospital in Athens employs 45 gardeners to care four palm trees. Hairdressers are considered professionals in risk and have a special retirement scheme, full pension at 40 year old" are utter lies. What is missing in commentary of this type, apart from truth and accuracy, is also some context. 
Greece has been a country with a savage taxing system even prior to the troika occupying the country. Greece has been governed and pillaged for the last 30 by the same few families and by the same corrupt political system that targets the small businesses and workers, while lets the big capital get away with the real tax evasion. It is these vulnerable, every day working people who are trying to defend themselves from a state that constantly fails them for decades, that constitute this 25% that you mention in your comment. 
In the early eighties and with a thirst for real political reform in Greece, people "bought" into the promises of the then first "socialist" prime minister of Greece, Andreas Papandreou (the father of the current prime minister George Papandreou), that he would indeed bring the desired political changes. Along these promises he also promised increased income for certain sectors in return for his election as a prime minister. That was the beginning of the end of the Greek sovereignty, as the state kept borrowing money to pay these promised increases (in return of votes by the voters), which led into the massive debt that Greece run into with all the current consequences.  This practice promoted a culture of nepotism and opportunism in a vicious circle with the state failing the majority of the working people, and the people trying to get as much from a state that fails them. This is the context that is needed to keep in mind when one makes statements about tax evasion by working people in Greece. In addition, I spend often considerable time in the UK. I have also seen similar attempts for tax evasion by the working people and abuse of the system in these countries too, as I have seen in Greece. 
During the past few months and with the momentous and historical events, even by European standards,  currently  unfolding in Greece there has been a campaign of anti-Hellenic propaganda at all levels of information, from the main stream media to the blogs. In Portugal, very disappointingly given that we are on the same boat on this, statements like those above are made, and in Germany or the Netherlands or the UK, people ask why their taxpayers should bail out Greece. Well, these are more lies and misinformation fed to the people of these co-European nations: the European tax payers DO NOT bail out Greece, when Greece and the rest of the PIIGS members are the ones keeping ALDI, LIDL, BMW, OPEL and so on in businesses, and in the case of Greece, the European military industries in prosperity. The fellow European citizens should know that for a single euro that is lent to Greece they are earning more in interest returns,  so effectively they are getting richer on the backs of the Greek people. So enough with the lies! It is the Greeks that they should be outraged with the behaviour of our fellow core Europeans, NOT the other way around!!
Instead of buying onto and being brainwashed by the the rampant  misinformation campaign by their media, the people of Europe should show some solidarity to this small peripheral nation that (1) provided the values and seed for what we now call Western Civilization, (2) changed the fate of Europe and its history from the battles of Thermopylae, Salamis and Marathon against the Persians to the battle of Crete against the Nazis, and (3)  if it falls it will take others with it.  
JVC: Claro que nada disto faz sentido, porque Portugal não é a Grécia, assim como a Espanha não é Portugal!...

Nota - Não está esquecido o "A maioria tem razão? (III)", sobre as alternativas. Esperem uns dias, façam favor.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um murro dói, mas puseram-se a jeito

Já aqui escrevi e é nem é nada de novo que os provérbios dizem muito sobre a cultura geral. Com amigos falantes diferentemente, acho graça a que, quase sempre, eles me dizem a sua versão nacional de um provérbio português. Todavia, para minha tristeza, acho que nunca vingou na nossa cultura ancestral um velho provérbio inglês: You can't have the cake and eat it. Não se pode ter o bolo e comê-lo.

Hoje, desde os títulos dos jornais até aos protestos dos homerns da rua que participam nos debates da rádio, desde os grandes gestores e economistas de serviço até ao PR, toda a gente clama contra a Moody’s e o "murro no estômago" que deu a Passos Coelho. Acho muito bem o protesto, claro que alinho, declaro solenemente que para mim é criminosa tal manipulação do sacrossanto mercado, mas é coerente este coro de protesto?
Todos estes protestos vêm da esmagadora maioria que nem discute a inevitabilidade do que nos está a acontecer, com o acordo com a "troika" e que vai acontecer cada vez mais gravemente e cada vez mais previsivelmente. Estamos com toneladas de dívidas às costas, temos de pagar porque não somos caloteiros, não há outra solução senão a das duas troikas, a externa e a interna. A dívida cresce com os juros, tivemos de pedir “ajuda”aos “amigos” porque os juros eram incomportáveis, embora os dos amigos não sejam muito menos. Os bancos ajudaram à crise, receberam a 1 e cobraram-nos a 10, mas os bancos são intocáveis, são o coração da economia. Os terríveis e invisíveis mercados, sem nome, nem têm muita culpa, porque os governos e principalmente os povos (quem manda ao zé beber uisque caro, comer caviar e vestir Armani, bem diz o arquiteto Saraiva?) é que são irresponsáveis despesistas. Neoliberalismo, o que é isso senão a "ordem natural das coisas", como Deus manda? O que se sabe é que não há que piar, porque felizmente “os russos já não vêm aí”, portanto a ordem vencedora venceu e tem de ser acatada e se toda a Europa vai a passo marcado (comecei por escrever passo de ganso, mas admito que era exagero) está muito bem, porque a maioria tem sempre razão. E em quem vamos votar, se todos (?!) os partidos defendem o mesmo? Etc., etc.
Com tudo isto, não faz parte natural do sistema que a “regulação” seja nula ou viciosa, como é este poder escandaloso das agências de “rating”? Que elas façam batota e dêem murros contra as regras quando o outro lado, os governos, os bancos, UE, BCE, FMI, etc., fazem batota de desinformação em relação aos cidadãos? Onde é que há "fair play" neste campeonato violento e selvagem da finança internacional? Onde é que há algum valor ético, sentido social, até dignidade (embora eu não goste de termos morais ligados à política) e até mesmo pragmatismo de noção da necessidade objetiva de regulação, como em qualquer sistema, onde é que há tudo isso no desvario desta fase última do capitalismo em que a riqueza é grandemente virtual, em que o capital financeiro domina largamente o capital industrial e a criação de riqueza real

Quem protestou antes contra este absurdo de a regulação ser feita por três empresas privadas sem qualquer transparência e certamente com interesses estreitamente dependentes dos próprios resultados dessa “regulação”? Alguém jura que não há por lá “inside trading”? E Durão Barroso, hoje a protestar, ou os nossos dirigentes políticos, fizeram alguma coisa, nestes três últimos anos, para a criação de uma agência europeia de “rating”, tanto quanto possível escrutinável democraticamente?

Não me basta que muita gente proteste contra um peão do jogo porque os interesses dessa gente foram atingidos por esse peão. Quero é que digam que o jogo é inaceitável e que é preciso derrubar todos os seus peões, para o lixo com tabuleiro e tudo.
Depois, protesta-se à nossa maneira, de lado, com "indignação virtuosa". Ainda não ouvi refutar objetivamente as justificações da Moody´s, que, só por razões de argumento!, vou considerar que “tem razão”: Portugal, mesmo com o resgate, não vai poder voltar aos mercados em prazo razoável; provavelmente, o resgate vai ter de ser reforçado, como na Grécia; os bancos estão afogados; a recessão vai agravar cada vez mais o défice, sendo duvidoso que se possa reduzir o défice; vai ser necessária a participação dos credores na atenuação da dívida ou em futuros empréstimos; não há perspetivas de crescimento. Afinal, não é isto o que se contrapõe ao acordo do resgate mas sempre negado pela grande maioria? Quero ver irem discutir isto com as agências. Quando muito, ouvi a queixa de que a agência não tinha contado com a “nossa” diligência de bem comportado, do imposto dito sobre o subsídio de Natal, da corrida para ultrapassar a própria trindade externa. A Moody’s diz que contou, em que ficamos? E se amanhã for a S&P, depois de amanhã a Fitch?

Não deixa de ser irónico que quem, como eu, tentou argumentar nas últimas entradas, esta e esta, contra a aceitação acrítica das posições trinitárias possa agora pura e simplesmente dizer "vão discutir isso com as agências de rating" (embora eu não goste nada de usar as razões dos meus adversários, mas quando valem...)? Apesar de tudo, é problemático, porque agora vai entrar em jogo o patrioteirismo primário, açulado por quem nada tem de patriota.
A Moody’s deu-vos (-nos) um murro no estômago? Se querem ser coerentes, aguentem, que eu e muitos também estamos a aguentar (mas com a coluna direita) a vossa vassalagem ao sistema dominante. Lamentavelmente, também a da grande maioria do povo português, de forma passiva. Espero é que, com coisas destas, comecem a ver, antes que nos “vejamos gregos”.
À margem - Disse hoje o ministro espanhol Alfredo Pérez Rubalcaba: “Não somos Portugal, não somos a Grécia, não somos a Irlanda”. Não previ que ia ouvir isto? Lembram-se do célebre poema de Brecht, em que “Primeiro levaram os comunistas, / Mas eu não me importei / Porque não era nada comigo. (…)”?

terça-feira, 5 de julho de 2011

A maioria tem razão? (II)

Continuando. Numa coisa a maioria tem razão: em exigir informação útil e correta que lhe permita um mínimo de capacidade de escolha em relação a políticas que lidam com uma situação económica extremamente complexa. Esta última campanha eleitoral foi negativamente exemplar. Quando era indiscutível que O (com maiúscula) problema era o do resgate ou suas alternativas, a trindade interna do acordo falou de tudo e mais alguma coisa, abundaram-se em críticas e ataques colaterais, mas alguém ouviu uma discussão séria, esclarecedora, sobre o problema económico? Alguém já teve acesso a um resumo esclarecedor dos documentos do acordo, daquilo a que se chama eufemisticamente "programa de assistência económica e financeira" quando não, incrivelmente, "ajuda"?
Ainda é nas revistas semanais (mas não nos semanários) que, a meu ver, se vai conseguindo informação um pouco mais aprofundada. Mas quantos dos tais 80% de maioria tem meios e mesmo hábitos de leitura para acederem a essa informação? Mesmo os jornais diários são lidos, no total, por talvez 100.000 pessoas, 2% da tal maioria de quase 80%. E estes jornais estão longe de serem a fonte de informação minimamente suficiente e eficaz para habilitar alguma reflexão sobre o problema em causa. 
O seu fraco nível técnico, a impreparação de muitos jornalistas, a falta de espaços especializados, nada ajuda. Muito menos o quase total encerramento da imprensa de hoje ao debate aberto, à publicação de artigos de opinião, com autoridade e rigor. Generalizou-se a ideia de que opinião se restringe a um corpo fixo de colunistas, com dia certo, escolhidos para dar ideia de pluralismo mas, de fato, raramente debatendo entre si, tão ocupados que estão com as suas agendas próprias. Noutros casos, descurando coisas essenciais. Por exemplo, no jornal que ainda vou lendo, o Público, só há um único colunista regular situado na área política que se opõe ao acordo trinitário, Rui Tavares. No entanto, que me lembre, e talvez por influência da sua formação académica, não me recordo de ele ter abordado pedagogicamente a questão do euro e, mais especificamente, do resgate português. E é deputado europeu.
De qualquer forma, e para se ter sentido das realidades, informação é só TV, em termos dos grandes números, os que trabalhamos nesta coisa de maiorias de 80%. No entanto, esse alcance paga-se, em termos de limitação da aquisição de informação. Em relação à TV, é banalidade dizer-se que ela é passiva, menos crítica, mais rígida. Um jornal lê-se à velocidade adequada a cada um, volta-se atrás a compreender melhor, volta-se a pegar nele para se discutir com um amigo. 

A televisão vê-se à sua própria velocidade, apanha-se dela o que se pode e menos filtrado, não se pode ir reexaminar a informação, discute-se depois ao café da forma que cada um “desouviu”. Por isto, a televisão funciona em “sound bites”, obviamente com muito menor riqueza informativa e com prejuízo da complexidade. Não digo, como Popper, que a televisão é um perigo para a democracia, mas há que ter noção dos problemas.
Anote-se, no entanto, que, mesmo com o seu alcance, a maior influência “matraqueadora”, ao que me parece, é a dos canais de cabo informativos e estes estão longe de chegar aos tais 80%.
Mesmo assim, o problema é central para a democracia, uma democracia de gente informada e esclarecida. O panorama é tão conhecido que nem merece grande descrição: hegemonia absoluta de uma opinião dominante, que, em relação à economia, é vincadamente neoliberal e refletindo a visão europeia corporizada no eixo Berlim-Paris, na Comissão e no Banco Central; apresentação das opiniões sempre como indiscutíveis por natureza e milagre, com omissão sistemática de referências a alternativas ou a opiniões diversas; leque estreito de comentadores de serviço, um baralho só de Duques; apresentadores ou moderadores servis ou pelo menos mal preparados, colaborando neste “fazer o frete” ao sistema dominante; etc. E até, perversamente, os mesmos vícios exercidos pelos próprios objetos da informação quando se tornam sujeitos, nos variados programas com os telefonemas dos participantes.
É certo que há programas “de contraditório”, sempre com o cuidado que fica bem, de opor políticos de quadrantes diferentes. Todavia, programas limitados ou à política convencional ou então a generalidades, em que questões de fundo como a do acordo de resgate ficam para trás em relação à agenda partidária mais rasteira mas mais eficaz no dia a dia político. Para já não falar dos “debates” de gente muito inteligente que diz coisas muito engraçadas e em que todos coçam as costas de todos à volta da mesa.
Claro que tudo isto pode ser largamente compensado pela mãe das fontes de hoje, a “net”. Mas em relação a quantos dos tais 80% de maioria? E dos que têm acesso físico, quantos têm acesso mental, isto é, sabem colher informação “online”? E de que tempo dispõem, quando eu já me sinto limitado se não consigo, na minha situação de reforma ativa, ler o jornal português e os principais títulos, ao menos, de dois ou três estrangeiros, mais uma boa dúzia de blogues que me são de obrigação diária? 

E se a maioria das pessoas não tem acesso, nem tempo se tiver acesso, nem mestria se tiver tempo? Fica ainda pior do que sem informação, arrisca-se a ficar desinformado, a ler apenas, sem contraditório e crítica, o primeiro texto que o Google lhe apresenta, nenhuma opinião contrária; lê porque lhe agrada e cai bem nos seus preconceitos a mensagem em cadeia que lhe mandou um amigo que recebeu de e de. Pior, como tudo isto é moderno, é fortalecido e credibilizado por esta “autoridade” da alta tecnologia. Como alguém da minha meninice que assegurava “é verdade, porque ouvi na Pepe” (um café de moda na minha cidade).
Todas estas dificuldades colocadas à obtenção mínima de informação habilitadora de uma “razão” sobre as presentes alternativas de economia política também se pôem, de outra forma, em relação a pessoas de nível privilegiado, mas que sofrem de algumas insuficiências radicais na nossa cultura e educação. Ainda vivemos muito a célebre dualidade que já há quase um século C. P. Snow discutia no célebre livrinho “As duas culturas”. As pessoas da cultura humanística ou literária que ainda (cada vez menos) marcam posição na cultura têm aversão à ciência, à técnica, à racionalidade científica, detestam economia. Dá-lhes prazer intelectual a retórica, o formalismo, o jogo mental. Com isto, estão muito mais vocacionados para a crítica política convencional, sobre o facto político, a picardia, a habilidade. É o que mais se vê nos artigos de crítica política. É a versão erudita das “bocas” populares sobre os políticos.
Concluindo, há sinais cada vez mais visíveis de melancolia da democracia. Ainda há alguns anos, era fenómeno a preocupar apenas académicos ou pensadores políticos. Hoje, como toda a gente vê, transformou-se, para muita gente, nomeadamente gente jovem, em desgosto com a democracia. Os partidos estão preocupados, mas tentam combater isto (ou melhor, usam isto na agitprop) olhando para o que mais vem à superfície, a revolta dos cidadãos contra a corrupção, a leviandade dos políticos, os seus privilégios de casta. Tudo isto é importante, mas é necessário que os partidos - claro que estou a pensar principalmente nos que me interessam, os de esquerda - antecipem que, um dia destes, as pessoas vão compreender que a principal falha atual da democracia é, na sociedade do conhecimento, viver muito da desinformação das pessoas. Partidos, tornem-se também escolas!
Adenda à entrada de ontem - Numa crítica privada, entendeu um leitor que, no fundo, eu estava a usar um discurso aparentemente rigoroso para levar a água ao meu moinho, em termos políticos e, neste caso, de desvalorização do voto. Deixo este julgamento aos meus leitores, embora sempre clamando eu a minha “inocência”. Mas, já agora, escrevo alguma coisa mais, como exemplo da minha posição, da minha tese de que “as ideias não vão a votos”. Imaginem um referendo em que a pergunta era “acredita que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, ao 6º dia?”. Vamos fazer apostas sobre o resultado deste “referendo”?
Quero dizer que quem votou sim neste “referendo” é um cidadão menor? Uma das perversões que hoje se pode ter em relação à democracia é a de um desvio meritocrático, o de que o voto de um esclarecido e informado vale mais do que o voto de um ignorante. É uma ideia detestável, um retrocesso histórico a tempos (entre nós não muito longínquos) da exclusão do voto dos analfabetos, por exemplo. A democracia, como tudo, está sujeita à análise e à discussão, mas não se pode, sem graves riscos, pôr em causa coisas fundamentais. Há uma frase célebre que diz mais ou menos “morro pelas minhas ideias, mas mais importante é eu morrer para que possas ter as tuas, mesmo que eu as deteste”. É claro que isto tem limitações; nunca eu escreveria isto a Hitler.

P. S., 6.7.2011 - A desmentir-me, Rui Tavares escreve hoje a sua crónica tendo como tema a "política" financeira europeia.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A maioria tem razão? (I)

Não me agrada nada escrever esta entrada, porque vai ser uma enorme lapalissada. No entanto, tanto ouço dizer hoje o que a motiva que me sinto em “vamos qu’é d’obrigação”, como se canta na minha terra. Nas últimas eleições, quase 80% dos eleitores que foram às urnas votaram num dos três partidos da trindade interna reflexos da trindade externa. Falo com alguns desses eleitores. Estão a carpir-se, a chorar antecipadamente pelo subsídio de Natal mas ainda não ouvi nem um a arrepender-se do seu voto.
Pior, dizem uma coisa espantosa, quando tento defender a minha posição: “mas então 80% dos portugueses não têm razão, você e uma minoria é que têm razão?”. Voltando a Monsieur, há aqui um erro de palmatória no uso da expressão “ter razão”. Eu respondo que, num sentido, 80% dos eleitores têm razão, noutro sentido não têm. Qualquer aluno meu de “racionalidade científica” desmontaria isto num ápice. Se lhes der isto como tema de exame para a semana, todos vão a 20.
Os 80% que votaram no acordo humilhante com a “troika”, sem qualquer discussão ou alternativa, mesmo os meus interlocutores que choram pelo que já sentem a sair-lhes do bolso, têm razão, no sentido democrático de terem razão para, tendo votado todos eles numa grande maioria, terem legitimidade para exigir o respeito pelas propostas e programas em que votaram. Nem me passa pela cabeça discutir isto. 
Mas também tenho igual direito de, pelos meios democráticos (e que são muito mais do que o parlamento, porque manifestações, protestos, greves, são direitos garantidos pela Constituição) tentar combater esse engano (a meu ver) em que foram os tais 80%. E se não fosse engano, porque chorariam? Teriam era a coerência corajosa de dizer “votei assim porque achei certo, ninguém me obrigou, agora aguento”. Mas este é um povo com uma coisa muito característica, a impossibilidade absoluta de entender o velho provérbio inglês “não se pode ter o bolo e comê-lo”.
Também podem dizer que têm a razão de não poderem ter razão, no sentido de eventualmente se sentirem absolutamente condicionados e limitados na sua capacidade de escolha. Até nem é inteiramente verdade. Há basta informação, por exemplo online, a facultar reflexão. Simplesmente, ela não consegue vencer a hegemonia da “informação” de serviço; muita gente nem acesso ou prática de acesso à net tem; muita gente tem isso mas não tem capacidade de filtrar a enorme desinformação que por aí vai. Fica esta importante discussão para a continuação desta entrada. Mas, entretanto, a minha simpatia para com os que são vítimas da despudorada manipulação que tem sido feita sobre esta “inevitável desgraça” que nos caiu em cima. Como nos tempos dos vulcões da minha terra, em que o ilhéu só pedia “mê Dês, misricorda”. Mas estamos no dealbar do século XXI.
Para quem tiver paciência de me ler amanhã ou depois, mostrarei que há uma alternativa de “não” à política de austeridade, vulgo acordo com a troika, o tal acordo “que outra coisa podemos fazer?” que nos vai conduzir ao abismo. Mais, que até há muitas alternativas, que podem ser usadas em muitas combinações e dosagens. Até já mostrei aqui que o atual ministro da Economia escreveu que algumas delas seriam a melhor solução! Não digo de forma alguma que são alternativas milagrosas, sem custos. O que a experiência tem mostrado é que esses custos, mesmo que muito altos, compensam em prazo relativamente curto.
Os meus interlocutores também podem estar convencidos de que têm razão porque são “obrigados” a votar num dos partidos do “arco do poder”, hoje coincidente com a trindade serventuária da trindade europeia-FMI. Porque não há alternativa “séria e credível”, dizem... Novamente, arrebanhamento por uma coisa metida na cabeça, aceite sem qualquer “deixa-me pensar…”, que é o “fim da história”, a exclusão final da esquerda radical de qualquer cenário de governo. Porque é que não pode haver um governo de esquerda com o PS? Digam lá porquê, sem responderem só com preconceitos. Também falarei sobre isto, sobre o processo histórico relativamente recente (década de 90) mas com raízes na guerra fria que levou a isto, sem esquecer que essa própria esquerda também contribuiu imenso para a sua exclusão (e não só Soares-Carlucci).
Finalmente, onde nenhuma razão podem ter os meus interlocutores é quando entendem que “se uma  enorme maioria de 80% das pessoas votou assim, é porque têm razão, isto é, têm ideias certas e corretas”. Se assim fosse, ainda estávamos na idade da pedra. Nunca as maiorias tiveram razão, no sentido de pensarem o que ia no sentido do desenvolvimento da cultura, da mente humana, dos valores sociais. Se alguns poucos simples homens, Voltaire, Diderot, D’Alembert, Rousseau (mais alguns) não tivesse tido razão contra toda a maioria, incluindo a popular, ainda hoje falava Versalhes. O Cavaleiro d’Oliveira estava sozinho contra todo o povo português babado de gozo com os autos-de-fé. Todo o progresso depende das minorias, na política, na ciência, nas artes, na ética.
As ideias não vão a votos. Até tenho vergonha de escrever isto, esta banalidade, mas garanto que é por causa do que ouço, “não pode pensar nessa teoria absurda - por exemplo a reestruturação da dívida - porque a maioria mostrou que é errada”. Ainda hoje li isto num artigo de opinião. Diz o articulista e diz todo o zé que tenta encontrar nisto algum mérito do seu voto, à adepto de clube. Nunca tinha assistido a tal disparate cultural coletivo. 
Se 80% dos eleitores (não estou a fantasiar, veja-se alguns exemplos americanos) votarem, diferentemente de mim, pela proibição do ensino da evolução e pela obrigação do ensino do criacionismo, eu digo que eu e os meus 20% é que estamos certos. Se votarem, com o papa, contra o uso do preservativo para prevenir as infeções sexuais, eu digo que eu é que estou certo. Se votarem contra o uso terapêutico das células estaminais, eu digo que eu é que estou certo.
A “correção” de uma teoria, de uma tese, de uma ideia, em política, não é formada a priori, experimentalmente, como na ciência. Mas tem uma possibilidade comum a todo o método científico: pode ser refutada se as suas previsões não se verificarem. Simplesmente, o teste não pode ser feito no laboratório, no dia seguinte. Demora anos, na vida real e, para felicidade dos políticos, muitas vezes já então se perdeu a memória do que estava em causa. Vale-nos que, se calhar, antes de tirarmos as nossas próximas lições, poderemos aprender muito a curto prazo com os gregos.
E não se deve esquecer que o domínio da dialética, desde os velhos gregos, é uma superioridade na discussão. Para tornar isto mais simples, vou identificar essa vantagem com a capacidade de articular e lançar argumentos. É coisa que também me confrange nestas conversas dos orwellianos que me doem. Não há capacidade de argumentação, provavelmente porque a "informação" é fornecida de forma a inibir a reação crítica (não é nada difícil fazer isto, se se sabe manipular). Costumo retorquir nessas conversas: “mas sabe o que eu penso, que defendo alternativas à política troikiana. Dê-me então um único, mas um único argumento contra isto que eu defendo”. Garanto que a resposta é “não é preciso, toda a gente sabe que não há alternativa, que seria a tragédia final”. Ou então o argumento de "economia moral" de que não é honesto ser caloteiro, como se houvesse tal coisa em economia política. Contra aquilo e isto… É que por vezes, aberrantemente, ao contrário do ditado conhecido, "contra argumentos não há factos..."